Voto impresso gera polêmica e juristas consideram que mudança seria um retrocesso

Medida não é vista como adequada por especialistas ouvidos por A Tribuna

Por: Maurício Martins  -  04/07/21  -  19:34
 Medida está longe de ser consenso e atualmente não tem apoio para passar no Congresso Nacional
Medida está longe de ser consenso e atualmente não tem apoio para passar no Congresso Nacional   Foto: Arquivo

Ter ou não voto impresso nas eleições? É o que os deputados federais estão discutindo em Brasília, após uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) ser apresentada pela base aliada do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Defendido pelo presidente, que fala em fraude na eleição do ano que vem caso mudança não ocorra, o texto prevê que voto seja impresso após a votação na urna eletrônica e colocado em uma urna física, depois da conferência do eleitor. A medida, porém, está longe de ser consenso e atualmente não tem apoio para passar no Congresso Nacional.


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“Vivemos problemas tão sérios de uma pandemia, não é momento de nos preocuparmos com isso. O País está precisando de dinheiro e, numa avaliação feita, custaria R$ 2 bilhões para implantar o voto impresso. Trazer o tema para discussão é profundamente lamentável”, opina o juiz do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), Manuel Pacheco Dias Marcelino.


Para ele, a mudança poderia gerar problemas de ordem técnica. “Se a impressão daquele voto não rodar, teríamos acúmulos, imensas filas aguardando a regularização. Não há necessidade, porque o sistema funciona perfeitamente. É querer trazer problema onde não há”, diz o juiz.


O advogado Leandro Matsumota, professor universitário de Direito Constitucional e Ciências Políticas, é contra o voto impresso e fala em retrocesso.


“O sistema eleitoral brasileiro é uma das coisas que dá certo, o Brasil exporta essa ideia. Quem propõe essa discussão parece ter intuito de tumultuar o processo e colocar as eleições sob suspeita”.


O advogado Rogério Mehanna, especialista em Direito Eleitoral, defende que haja um mecanismo de auditagem paralela. Mas diz que a proposta atual coloca a eleição mais em risco, do que resolve esse problema.


“O Brasil tem um histórico de descontrole de urnas físicas, urnas que somem, votos que são alterados. São coisas documentadas. E trazer essa insegurança do passado para hoje seria um retrocesso. Se alguém sumir com o papel dessa urna, vão dizer que a fraude está na eletrônica. Vão anular a eleição por uma fraude fabricada”, diz Mehanna.


Dificuldades técnicas


Para o advogado Arthur Rollo, também especializado na área, o voto impresso não seria ruim, mas traria dificuldades técnicas ao processo de votação. “Seria suficiente, em matéria de transparência, disponibilizar os boletins de urnas na internet, logo após o encerramento da votação. Quem quiser faz a apuração paralela”, ressalta.


O advogado Luciano Caparroz Pereira dos Santos, um dos autores da Lei da Ficha Limpa, não é contra o voto impresso, mas acha que ele não seria a solução para uma maior segurança do pleito. “Devemos concentrar esforços para ter programas abertos e auditáveis, podendo fiscalizar e checar o funcionamento. Seria o caminho mais adequado”.


Urnas eletrônicas


O juiz eleitoral Manuel Marcelino afirma que a possibilidade de fraude nas urnas eletrônicas é quase zero. “Ela não é conectada com a internet. No estado de São Paulo, nas últimas eleições, não houve um município onde tenha sido concluída uma possível fraude. A urna eletrônica é um sucesso”, diz.


Leandro Matsumota concorda. “São seguras, tendo em vista que passam por diversas auditagens, com um sistema de controle muito forte. Não se pode duvidar da credibilidade dessa tecnologia por causa de questões de ordem política”.


Arthur Rollo acompanha as urnas eletrônicas desde o processo de implantação. “Nunca vi nada de concreto que as desabonasse. Muita gente dúvida pelo desconhecimento, não entende. A gente estudou várias vezes e elas são seguras, sim”.


Proposta não faz sentido, diz deputado Júnior Bozzella


O deputado federal da região Júnior Bozzella (PSL) é totalmente contra a mudança. Diz que o voto impresso é “solução para um problema que não existe”. “Os apoiadores do presidente começaram a criar um cenário nebuloso em torno da urna eletrônica, um sistema quem vem funcionando há mais de uma década e que é reconhecido como um dos mais seguros do mundo”.


Para Bozzella, da maneira que está, a proposta não faz sentido. “Parece mais uma tentativa de encontrar um mecanismo para tumultuar o sistema eleitoral e a transição de poderes e, consequentemente, ameaçar a democracia. É uma discussão sem sentido e a sua inutilidade está virando consenso entre os partidos”.


A deputada federal Rosana Valle (PSB) não quis opinar sobre a proposta. Ressaltou apenas que não há evidências de fraude das urnas eletrônicas e que está acompanhando a discussão e avaliando o projeto. “Minha preocupação é com os custos de implantação, num momento difícil do País, onde a prioridade é a vacina e o combate à pandemia”.


Advogado cita perigo de ser “dependente da tecnologia”


O advogado santista Ranieri Cecconi é a favor do voto impresso. “No mesmo ritmo que a tecnologia nos traz recursos, mostra que ser dependente dela, em absoluto, é extremamente perigoso. São inúmeros exemplos de falhas de tecnologia que nos causam problemas diários”, afirma.


Cecconi diz que é assunto sério demais para ser 100% dependente da tecnologia. “Assim, a materialidade do voto impresso só pode trazer, ao processo, segurança e liberdade dessa condição de refém”.


Para o advogado, da forma com que está a proposta, parece simples e viável para o mais breve possível. “No Brasil, tudo acontece, em qualquer tempo, em função da vontade de fazer. Desta forma, por óbvio, mais de um ano de prazo (para a eleição), é tempo de sobra para a operacionalização”.


Sem agenda


A Tribuna procurou a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), autora da chamada PEC do Voto Impresso, mas assessoria disse que ela estava “sem agenda” para falar com a Reportagem.


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