Em Santos, David Uip diz que não teve papel político na pandemia: 'Fui chamado para coordenar'

Médico infectologista, secretário estadual de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde, em entrevista

Por: Anderson Firmino  -  22/05/22  -  17:18
David Uip:
David Uip:   Foto: Alexsander Ferraz/AT

O médico infectologista David Uip está na luta de novo. Depois de duas contaminações por coronavírus – uma com internação – e uma crise de burnout (esgotamento físico e mental), ele encara novo desafio ao assumir a Secretaria Estadual de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde. O médico conversou com A Tribuna na última segunda (16), quando participou do 16º Comec (Congresso Médico Científico), organizado pelo Diretório Acadêmico Martins Fontes, da Faculdade de Medicina da Unimes. A covid, que levou mais de 660 mil vidas no Brasil, deixou marcas no médico – e algumas reflexões. Confira a entrevista.


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Qual a importância da troca de experiência com estudantes, já que tem um largo histórico acadêmico (formado pela Faculdade de Medicina do ABC, atual Centro Universitário FMABC, em Santo André, com especialização em Moléstias Infecciosas e Parasitárias pelo Hospital das Clínicas; é também professor livre-docente da FMUSP)?


É função, obrigação e mais que isso: é um prazer falar com alunos, especialmente neste momento. Fui praticamente criado na Baixada Santista, trabalhei na região pelo Governo do Estado. E passar a experiência para os alunos, ainda mais em um momento que me afasto do cargo de reitor do Centro Universitário FMABC, é muito revigorante.


O senhor falou, no Comec, sobre síndrome pós-covid, e teve a doença em dois momentos, nos extremos da pandemia. Como descreve a experiência?


Ô, doencinha do mal! (risos) Tive a primeira muito no começo, quando pouco se sabia. Permaneci em casa, quando deveria ter sido internado. Na sequência, imediatamente após a quarentena, voltei a trabalhar. Dois meses depois, eu fiquei ruim. E agora, depois de toda a proteção, minha mulher ficou em Guarujá durante dois anos, foi a São Paulo, no primeiro evento de que nós participamos, e nos contaminamos.


Essa última vez resultou em internação?


Acabei sendo internado por três dias e fiquei bem. Mas as sequelas permanecem: dor muscular, preguiça. Mas você tem que passar por cima e tocar a vida.


O senhor classificou a covid como traiçoeira. Como vê o momento atual da doença no Brasil?


Tem aumentado o número de casos, mas, particularmente, não tenho visto o aumento de mortes. Recebi muitos casos no consultório, mais de 2,2 mil. Praticamente da Ômicron para cá, internamos poucos pacientes e ninguém morreu. Mas, de qualquer forma, é uma doença que preocupa. Você não sabe se acabou ou qual é o próximo momento dela.


Após a primeira infecção por covid, o senhor teve a questão do burnout. Como lidou com isso e que tipo de conselho pode dar aos futuros profissionais que precisarão lidar com situações exaustivas?


Eu estava muito exposto coordenando o Centro de Contingência, dando entrevistas dia e noite, sendo reitor da universidade e tocando o consultório. Isso logo depois de ter ficado doente. Dois meses após, percebi que havia chegado ao limite físico e emocional. Consultei um amigo psiquiatra que me propôs medicamento e repouso. Repouso, não deu. Fui medicado e continuei trabalhando. Não tinha como sair do meio daquele “furacão”. Então, tratar burnout trabalhando é experiência nova. Mas acho que é bastante reflexivo. Consegui ultrapassar e, hoje, estou ótimo. Passar trabalhando talvez não seja o mais recomendável, mas foi o possível.


Houve uma polêmica a respeito do vazamento da sua receita para tratamento da covid com o uso sugerido de cloroquina. Como foi lidar com essa situação?


Algumas pessoas não entenderam porque não quiseram entender. Aquela receita antecedeu, em vários dias, a minha doença. Foi uma receita da clínica da compra de um entre vários medicamentos. Então, o vazamento da receita, para mim, foi um crime, porque expôs uma porção de coisas. E o culpado teve que pagar multa. Tem que agir assim. Me senti lesado, violado na minha privacidade, não como médico, mas como paciente. Protestei e ganhei (o responsável foi condenado a pagar R$ 11 mil). Algumas pessoas ainda não entenderam; não estava se discutindo o medicamento, mas ética e privacidade.


O senhor crê que tenha ocorrido uso político de uma questão pessoal, num momento de fragilidade?


Eu não tive nenhum papel político, como não tenho. Fui chamado para coordenar uma pandemia. Eu tinha uma missão, sem remuneração, sem cargo e sem pretensão política. O tempo provou isso. Hoje, volto à Secretaria, de novo, pelo motivo de ajudar. Uma Secretaria eminentemente técnica. Essa é a história da minha vida. Eu nunca fui candidato a nada, nem serei. Confundiram e se deram mal. Porque, na história, a verdade prevalece.


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