Covid-19 faz mães da Baixada Santista optarem por parto em casa: 'É notável o aumento do interesse'

Com receio de contaminação em hospitais, mesmo com riscos, muitas gestantes têm optado pelo Parto Domiciliar Planejado

Por: Jean Marcel  -  13/07/21  -  14:06
 Christiane já era adepta do parto em casa mesmo antes da pandemia
Christiane já era adepta do parto em casa mesmo antes da pandemia   Foto: Renata Penna

Embora o número de partos no Brasil tenha caído cerca de 15% após o início da pandemia (de acordo com o portal Transparência do Registro Civil), e na Baixada Santista, segundo as Secretarias de Saúde, esse número ainda se mantenha igual, em média, muitas mães têm optado pelo parto feito em casa, o chamado PDP (parto domiciliar planejado). Para muitas famílias, isso já era uma escolha definida bem antes da pandemia. Outras, porém, optaram por evitar ir a hospitais, com receio de serem contaminadas pela covid-19. Christiane Meiler Piconi tem 41 anos, e 3 filhos que nasceram de parto natural, sendo que dois foram em casa.


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"Já havia passado por um parto natural, em hospital, quando nasceu Alice. Era um dia de jogo do Brasil na Copa do Mundo, e foram 15 horas de trabalho. O parto fluiu lindamente sem qualquer intervenção necessária. Na segunda gravidez, uma amiga médica ginecologista obstétrica me indicou o documentário 'O Renascimento do Parto'. Quando eu e Danilo, meu marido, assistimos, ficamos meio chocados com quantos procedimentos são feitos na mãe e bebê. Estudamos muito sobre o parto em casa, e decidimos que seria assim para termos a segunda filha", conta Chistiane.


Além disso, vários motivos da primeira experiência a ajudaram a optar pelo parto em casa: "Num hospital temos que usar roupas já determinadas para todos, vou sozinha para a sala de parto em contrações, e além disso, queríamos muito que nossa primeira filha participasse do nascimento da segunda. Parecia estranho demais aparecer com uma irmã em casa para ela após 3 dias", conta.


 O terceiro filho, Calvin, nasceu na casa de Christiane em Santos
O terceiro filho, Calvin, nasceu na casa de Christiane em Santos   Foto: Natália Reis

Calvin, o terceiro filho, nasceu em casa também, em Santos: "Para nós era muito importante as irmãs estarem junto", diz Christiane. Foram 8 horas de trabalho de parto, minha casa parecia uma festa. Tinha amigas, família e depois veio a equipe do Elas Parto, aqui de Santos, e finalmente minha parteira, que veio de São Paulo me ajudar a parir".


Danyelle Ferreira Farias é fundadora e parteira na equipe Elas Parto, tem 35 anos, e é Obstetriz no Hospital dos Estivadores, em Santos. Ela trabalha em atendimento no SUS e atende partos domiciliares há 5 anos. "Há um órgão fiscalizador de quem faz o PDP, que é o Coren [Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo], explica. "É notável o aumento do interesse das mulheres pelo parto em casa. Com a pandemia, muitas mulheres começaram a pensar que o hospital não é a única alternativa", conta.


Ela explica que as equipes geralmente são compostas por obstetrizes, enfermeiras obstetras e médicos obstetras. "Em casa, geralmente são duas parteiras e não é necessário profissional médico. A equipe leva todo material médico hospitalar necessário, e para possíveis urgências e emergências, como medicações para hemorragia, material para acesso venoso, matérias para reanimação neonatal e etc".


Danyelle diz que o PDP é seguro para as mulheres de risco habitual, ou seja, aquelas que durante o pré-natal não desenvolvem nenhum tipo de alteração com ela ou o bebê, e que morem a cerca de 20 minutos de um hospital com retaguarda obstétrica e neonatal.


"A mulher é a protagonista", diz o médico Guilherme Vicente   Foto: Arquivo Pessoal

O médico


Guilherme Caldeira Vicente é Médico Ginecologista e Obstetra desde 2001. Ele acha importante entender, primeiramente o termo 'humanizado', muitas vezes confundido com o parto feito em casa: "Num parto, é necessário todo respeito que o momento precisa. A protagonista é a mãe. Não é o médico, não é a enfermeira, não é o pediatra, não é o acompanhante, é a mulher. O parto humanizado tenta satisfazer todos os desejos, os sonhos, as esperanças que ela coloca naquele momento. É assim que tentamos resgatar esse momento mágico através do parto normal, como se ela mesma estivesse fazendo o parto, e a equipe só oferecesse a segurança.


Vicente lembra que o período anterior ao parto é tão, ou até mais importante que o parto em si, pois minimiza riscos. "Quando é gravidez de baixo risco, normalmente as visitas são mensais, e os exames de rotina. Nesse período é que ela deve manifestar algum desejo em relação ao parto para que tudo transcorra da melhor forma".


Em relação ao parto em casa, o médico afirma que é escolha da mãe " mas é muito importante ela ter consciência de que a medicina evoluiu. Nós tentamos criar o ambiente mais propício pra mulher nos hospitais pra que ela não precise ganhar o bebê dela em casa sob algum risco. Se a mulher vai escolher ter um parto domiciliar, é muito importante que ela leve toda a segurança que ela teria num hospital, como ambiente higienizado, um médico ginecologista obstetra, um pediatra à disposição", explica.


O médico afirma que acaba sendo muito dificil por logística e custos. "É muito melhor e mais seguro que a gente, nós, médicos, tentemos criar no hospital um ambiente aconchegante e acolhedor pra mulher, pra que ela consiga realizar todos os desejos dela no momento do parto, mas com segurança para o bebê e para ela".


Nos hospitais, alerta ele, há mais chance de lidar com o inesperado: "Eu sou um defensor de partos humanizados ou não, mas que sejam realizados em hospital. Porque em vinte anos de profissão, já vi muitos problemas acontecerem. Em mais de 95% dos partos dá tudo certo, mas existe uma porcentagem em que problemas acontecem".


Projeto parto adequado


Em 2014 foi instituído aqui no Brasil um projeto chamado 'parto adequado', que foi trazido por uma ONG americana, e é coordenado pelo Hospital Albert Einstein, de São Paulo. O objetivo é tentar humanizar o máximo possível o parto, pra trazer as mulheres como protagonistas, e que elas tenham uma experiência agradável, além de tentar resgatar o desejo pelo parto normal, que foi se perdendo com os anos. "Em todos os hospitais da Baixada em que trabalho, esse projeto é usado. A cesariana foi criada para salvar a vida de um dos dois, ou dos dois. Com o tempo ela acabou virando rotina por conveniência do médico ou da paciente", comenta Vicente.


Ponto em comum


Independente do profissional que atue no parto, uma coisa acaba sendo semelhante para todos, que é a sensação trazida pela oportunidade de trazer uma nova vida ao planeta. Danyelle diz que "o melhor é saber que pude fazer parte de um momento único na vida daquela mulher e da família. Receber um ser humano com respeito e amor é uma das maiores dádivas dessa vida. E essa é minha forma de contribuir para um mundo melhor".


O médico Guilherme Vicente diz que há vinte anos sente a mesma emoção em cada parto. "É uma luz grande, uma alegria e um privilégio ver a manifestação do criador e o milagre da vida. Você vê o momento da dificuldade, depois o choro do bebê, e o choro de alegria e felicidade da mãe. Agradeço a Deus por ter a oportunidade de participar desses momentos, porque é combustível da vida da gente também".


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