Mulheres relatam machismo no meio científico

Nove em cada dez dizem ter sofrido discriminação na carreira

Por: Do Estadão Conteúdo  -  19/10/20  -  00:47
Contemplação de mulheres no último Nobel trouxe discussão do machismo contra elas no topo
Contemplação de mulheres no último Nobel trouxe discussão do machismo contra elas no topo   Foto: AdobeStock

“Sexismo disfarçado de bom conselho”, “microagressões diárias”, “ofensas ditas em tom de brincadeira, como se fossem apenas uma piada”. Esses são relatos de um grupo de mulheres cientistas - no auge de suas carreiras -, que se veem alvo de machismo e preconceito mesmo trabalhando em um ambiente onde prevalece o alto nível de educação. Um quadro que parece piorar quanto mais elevado é o nível na carreira.


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Na semana passada, chamou a atenção o fato de três pesquisadoras terem sido contempladas nas áreas de ciência em uma mesma edição do Nobel. Em 120 anos do prêmio, em um universo de mais de 600 laureados em ciência, menos de 4% eram mulheres.


Estar no topo da carreira científica, porém, não só ainda é uma raridade em todo mundo para mulheres, como parece ser pouco capaz de blindá-las de serem alvo de machismo, em especial no País. As frases que abrem essa reportagem foram ditas por pesquisadoras brasileiras de ponta, que tiveram seu trabalho reconhecido no Prêmio para Mulheres na Ciência L'Oréal/Unesco.


Para comemorar a data, os organizadores resolveram ouvi-las na tentativa de traçar um panorama do que elas viveram ao longo desse período e refletir sobre o que pode ser melhorado a fim de incentivar a ciência feminina. No levantamento, 90% disseram já terem vivenciado situação de preconceito ou outra forma de discriminação em razão de seu gênero. Foram ouvidas 70 das 96 laureadas até o ano passado.


Machismo estrutural


Algumas delas conversaram com a reportagem e relataram situações que mais parecem tiradas de algum romance do século passado - ou, como definem os especialistas em gênero, são exemplos do machismo estrutural.


“Colegas de trabalho se sentem à vontade para serem invasivos com as mulheres. Eu viajo muito para congressos e escuto coisas como seu marido deixa? Você trabalha demais, ele vai deixar você. Coisas que a gente nunca vai ouvir alguém perguntando para um homem”, conta a matemática Jaqueline Mesquita, de 35 anos, da Universidade de Brasília.


Mudar para ser aceita


Muitas das pesquisadoras dizem que acabam se acostumando ou desenvolvem formas de relevar o que escutam para conseguir tocar a vida. Na pesquisa, 74% afirmaram que tiveram de mudar seu comportamento ou maneirismos para serem levadas a sério por colegas de trabalho.


“Nunca fui de ficar triste, não poderia me apegar a isso se quisesse sobreviver. Às vezes a gente se habitua, nem se dá conta de que foi alvo de preconceito. Com o tempo, vai engrossando o couro”, afirma Andrea de Camargo, de 46 anos, professora do Instituto de Física da USP, em São Carlos, vencedora do Prêmio L’Oréal em 2007. “Se a gente quiser ter voz, tem de falar mais alto, tem de bater a mão na mesa. 


Aí sempre vem alguém falando: Calma, não precisa ficar estressada. Dizem que a gente é desequilibrada. Se um homem age assim, as pessoas ficam impressionadas. Mas se a gente fala baixo, também ninguém escuta. Tem de se moldar”.


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