Feminicídios aumentam mais de 64% em três anos no Estado de São Paulo

Lei Maria da Penha não consegue impedir aumento da violência

Por: Maurício Martins  -  02/08/21  -  13:41
 Delegacia de Defesa da Mulher fica localizada no Gonzaga, anexa ao 7° DP
Delegacia de Defesa da Mulher fica localizada no Gonzaga, anexa ao 7° DP   Foto: Governo do Estado de São Paulo

O número de feminicídios aumentou 64,9% no Estado de São Paulo, entre 2018 e 2021, levando em consideração o primeiro semestre de cada ano. Passou de 57, há três anos, para 94. O feminicídio é o assassinato de uma mulher devido à sua condição de mulher ou em decorrência da violência doméstica. De janeiro a junho deste ano, foi registrada uma morte a cada dois dias.

GRÁFICO MOSTRA AUMENTO DE FEMINICÍDIOS NO ESTADO DE SÃO PAULO


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A Secretaria Estadual da Segurança Pública não divulgou os dados da Baixada Santista, mesmo após pedido pela Reportagem.


A estatística estadual mostra que a Lei Federal 11.340, batizada de Maria da Penha, que completará 15 anos no próximo sábado, não foi suficiente para impedir o aumento da violência contra a mulher. Para especialistas ouvidas por A Tribuna, a legislação trouxe avanços e evitou um cenário mais crítico, mas deve ser aprimorada.


Coordenadora regional da Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), Gabriella Moreira acredita que é preciso fortalecer as medidas de prevenção e de execução da lei, para garantir que a vítima tenha segurança e o autor seja efetivamente punido.


“Houve avanço, mas não tanto quanto gostaríamos. O espírito da lei é o da inibição do fato, porém, o distanciamento social por causa da pandemia e a convivência constante e diária do casal desencadearam o crescimento dos casos de violência doméstica”, ressalta.


Para Gabriella, o sistema ainda é deficiente. “Não é dada à vítima a segurança de que, se denunciar o agressor, ela terá a proteção estatal e a efetividade da punição. Há falta de punibilidade adequada à gravidade do ato cometido, motivo que desestimula a vítima de agressão”.


Educação da sociedade


Para a advogada Renata Maria Silveira Toledo, cujo tema da dissertação de mestrado foi a efetividade da Lei Maria da Penha, a legislação, que tem como objetivos a educação, prevenção e o enfrentamento dos atos de violência, é uma das mais avançadas do mundo na proteção à mulher.


“Contudo, minha percepção é de que ela ainda não é efetiva, uma vez que vemos casos em crescimento. Ao longo de 15 anos, o ordenamento jurídico sofreu modificações positivas no enfrentamento da violência contra a mulher. Mas tenho dúvidas se apenas a mudança na legislação seria suficiente. Acho que trabalhar na educação da sociedade e em políticas públicas de conscientização das pessoas poderá ensejar mais efetividade”, opina.


Renata diz que, para a mulher acreditar que sofre violência, em especial a psicológica e patrimonial, demanda tempo. “Quando ocorre a agressão física, que é visível, a vítima já está no ciclo da violência há muito tempo”.


Avanços


Presidente da Comissão de Apoio às Vítimas de Violência da OAB-Santos, Inês Maria Toss afirma que a Lei Maria da Penha foi um avanço para prevenir a violência doméstica. “Trouxe à tona crimes que aconteciam entre quatro paredes, onde a mulher sofria calada pressão psicológica, diminuição da autoestima, dominação e ferimento em sua dignidade”.


Inês destaca que, para a plena eficácia da lei, três requisitos são indispensáveis: Delegacias de Defesa da Mulher em pleno funcionamento, varas especializadas em violência doméstica e familiar dentro dos fóruns e equipe multidisciplinar para apoio e atendimento às mulheres e ao agressor, que precisa entender a origem do seu caráter agressivo e aprender a dominá-lo.


“Infelizmente, não temos em muitas cidades no Brasil o atendimento a esses três requisitos. A lei sem a eficácia plena não vai acabar com ou diminuir a violência contra a mulher. Precisamos de uma rede social de estruturação, de políticas públicas que fortaleçam essa rede e, sobretudo, de um Estado presente e que tenha interesse na preservação e defesa dos direitos humanos”.


Delegada traça perfil de agressores


Uma pessoa “acima de qualquer suspeita”. Esse é o perfil da maioria dos agressores de mulheres, explica a delegada Jamila Jorge Ferrari, coordenadora das Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs) no Estado.


“São homens que possuem trabalho, são filhos queridos, frequentadores de igrejas, amigos fiéis. Mas, dentro de casa, agridem suas companheiras por acreditarem serem donos da mulher, tratando-as como objeto”.


Jamila ressalta que as mulheres estão denunciando mais os companheiros, mas muitas ainda têm dificuldade de entender que são vítimas de violência. “Pois acreditam que apenas se ficarem lesionadas as pessoas acreditarão nelas. Assim, quanto mais informação, mais elas saberão que não estão sozinhas e que existem diversas ferramentas de apoio e denúncia”.


A delegadas lembra que muitos crimes ocorrem mesmo após registro de queixa porque as vítimas ficam com vergonha ou medo de continuar o processo contra o agressor.


“Muitas sofrem violência psicológica, levando-as a retornar à relação, acreditando que o agressor irá melhorar. Além disso, há o fato de desconhecer a necessidade de pedir medida protetiva de urgência”.


Jamila elogia a Lei Maria da Penha, afirmando que, antes de 2006, as mulheres não tinham nenhuma proteção especial. Mas a delegada acredita que mudanças são importantes.


“Principalmente na possibilidade de o delegado de polícia (não só a Justiça) deferir qualquer medida protetiva de urgência em todas as ocasiões. Sabemos que as medidas protetivas salvam vidas e quanto mais cedo forem determinadas, mais protegidos estarão a mulher e os filhos”, finaliza.


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