Conexão França: França face ao coronavírus

Apesar de todas as precauções e recomendações, não há medida que proteja quem é obrigado a passar horas confinado dentro do transporte público

Por: Diana Gonzales - De Paris  -  10/03/20  -  19:20

Febril, com tosse seca, dor na garganta, muito cansaço, dores musculares, sobretudo no peito. Foram nestas condições que cheguei à França após quase 30 horas de viagem – porta-a-porta entre Santos e Paris. Os atrasos, tanto no aeroporto de Guarulhos, como no do Porto, onde fiz uma escala, fizeram com que eu passasse cerca de dez horas em zona aeroportuária.


Sem condições físicas adequadas e na impossibilidade de distinguir se o que eu sentia eram sintomas de apenas de um resfriado, ou se havia contraído a tal da gripe, decidi, por precaução, não me deslocar até o trabalho para evitar uma possível transmissão de algum vírus aos meus colegas, ou ainda aos passageiros das duas linhas de metrô que utilizo quotidianamente. 


Sendo assim, precisava ir ao médico para justificar minha ausência. No entanto, no momento de concluir o agendamento por meio de um aplicativo, apareceu na tela uma mensagem indicando que não comparecesse ao consultório, caso apresentasse sinais de infecção do Coronavírus. O aviso disponibilizou dois números de telefone para dúvidas. 


Contatei o serviço indicado e expliquei o contexto para a atendente, que pediu meu nome, endereço, datas da viagem. E concluiu que eu tinha chances de ter sido infectada. Por isso, iria transferir a chamada para que eu conversasse com uma médica. Esta, por sua vez, pontuou que, apesar de eu não ter estado em zonas endêmicas, o fato de ter passado muito tempo em área aeroportuária é um fator relevante.


Sendo assim, me orientou a evitar sair de casa, a não ir ao cinema, a evitar de encontrar muitas pessoas, a não cumprimentar com beijo ou aperto de mão, lavar as mãos com frequência e  entrar novamente em contato, caso não melhorasse nos próximos dias.


Porém, quando a indaguei como deveria proceder para obter uma justificativa de ausência no trabalho, a resposta foi um breve silêncio, quebrado com a pergunta: “Você precisa mesmo de justificativa?”. 


Ao ouvir meu sim, ela então me “liberou” para ir ao médico, afinal “Brasil e Porto não são áreas de risco”. Mas recomendou que eu não falasse com ninguém enquanto estivesse na sala de espera e para manter um metro de distância da médica. Consulta finalmente agendada, o diagnóstico foi de uma faringite. As dores no musculares e no peito seriam apenas consequência de muita andança com mochila de 20 quilos nas costas. 


Um dos principais focos da epidemia na Europa, a França registrava, até o último sábado, 16 mortes e quase mil contaminações. Como medida de precaução, o governo anunciou a anulação de eventos com mais de 5 mil pessoas dentro de um espaço confinado. A partida entre PSG X Strasbourg, que deveria acontecer no último sábado, foi adiada; o salão do livro que estava marcado para o dia 20 de março foi anulado. 


Já o Museu do Livro ficou fechado por três dias a pedido de seus funcionários, que decidiram exercer o direito de se ausentar, em caso de risco de exposição à epidemia. Muitos motoristas de ônibus reivindicam deste mesmo direito, já que são confrontados no dia a dia a estarem em ambiente fechado e em contado com diversos passageiros. 


Uma centenas de escolas foi fechada. Por outro lado, as eleições municipais previstas nos dias 15 e 22 de março não serão alteradas. 


Uma enquete realizada por um instituto de sondagem revela que a taxa de inquietude dos franceses em relação ao vírus alcança 61%. Em 2009, esta taxa era de 35% face à gripe A (H1N1), que havia provocado a morte de 100 pessoas na França. 


Estoque 


Por conta da epidemia, há algumas semanas as farmácias estão em ruptura de estoque de álcool gel e máscaras. Agora, a insegurança dos franceses chega aos supermercados, onde as prateleiras de macarrão e arroz estão vazias, devido ao aumento da compra desses itens. 


Apesar de todas as precauções e recomendações, não há medida que proteja quem é obrigado a passar horas confinado dentro do transporte público e que, muitas vezes, viaja colado aos demais passageiros devido à superlotação. Difícil manter distância quando qualquer centímetro de espaço do metrô é disputado.


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