Conexão Austrália: Fatos longe da pauta do Brasil

Nesta edição da coluna, Fabiana Marinelo detalha dois acontecimentos no país: a expulsão de um dos melhores jogares de futebol do time por postar conteúdo homofóbico e a descriminalização do aborto

Por: Fabiana Marinelo - De Sidney  -  20/08/19  -  19:48

Dois fatos recentes aqui da Austrália seriam inimagináveis de serem sequer discutidos em um futuro próximo no Brasil. Ao menos é o que concluo analisando o comportamento recente da sociedade brasileira diante de alguns temas considerados polêmicos. 


O primeiro fato a ser destacado é o seguinte: imagine que um dos melhores jogadores do seu time faz um post no Instagram considerado homofóbico pela liga de futebol e é, como resultado, expulso do time. O segundo fato é a recente aprovação, na Câmara dos Deputados, da descriminalização do aborto para o limite de 22 semanas de gestação no estado de New South Wales (NSW).


Mais em detalhes, o caso do jogador expulso da liga de futebol, mais especificamente da liga de rugby, ocorreu há alguns meses, mas ainda hoje tem fortes repercussões. Na última terça-feira, foi dado mais um passo no processo judicial no qual o jogador Israel Folau exige o pagamento de AU$ 10 milhões por conta de sua expulsão do time principal de rugby australiano. 


A história de Folau começou quando o jogador, que é cristão, publicou uma frase no Instagram condenando os gays ao inferno. A liga australiana considerou o post homofóbico e contrário ao seu código de conduta. Folau, até então um dos mais aclamados atletas do rugby nacional, trava agora uma batalha judicial contra a liga esportiva.


A impressão é que a maioria das pessoas apoia a decisão da expulsão, mas uma grande parcela da população é contrária. As discussões giram em torno do livre arbítrio do atleta de professar a sua fé e, do lado oposto, o fato de ele usar suas redes sociais para propagar o ódio.


Para se ter uma ideia da confusão, o jogador lançou uma “vaquinha virtual” pelo site Go Fund Me, com o propósito de arrecadar dinheiro para a sua luta judicial. O site bloqueou a conta, impedindo as doações. Em contrapartida, foi aberta uma outra vaquinha, patrocinada pelo grupo cristão australiano, que já arrecadou mais de AU$ 1 milhão.


Ainda no campo das confusões e oposições de ideias, o estado de NSW aprovou na Câmara a descriminalização do aborto para até 22 semanas. O aborto já é liberado no Estado mas, estranhamente, ainda é considerado crime em algumas situações, como a realização do aborto sem prévia avaliação médica. A proposta é retirar a criminalização de todos os aspectos até o limite considerado seguro para interromper a gestação.


O aborto é permitido em toda a Austrália. O que varia de estado para estado é o limite de quando a gestação pode ser interrompida. Na capital, por exemplo, não há limite de semanas. Mas em outros estados, como no Norte e na Tasmânia, é de 14 e 16 semanas, respectivamente.


Causou até estranhamento que o assunto tenha voltado à tona nesta semana. Qualquer busca em sites de pesquisa sobre aborto na Austrália traz uma série de clínicas especializadas no procedimento. É claro que existe quem é contra. Mas aqui, caso a mulher decida interromper a gestação, ela é atendida por um corpo médico e recebe toda a assistência do sistema público de saúde.


Grupos contrários ao aborto protestaram contra e medida, que ainda terá uma segunda votação na Câmara. O tema, apesar de polêmico, recebe também apoio de parte da opinião pública. Em cada estado, as opiniões são divergentes, mas as pesquisas apontam para uma maioria de australianos a favor de dar à mulher a opção de escolher. 


O mais importante, quando analisamos os dois fatos, é que pelo menos aqui na Austrália, assuntos como este têm espaço para discussão e debate. Mesmo havendo divergências e protestos, os assuntos são trazidos à tona. Temas polêmicos causam desconforto e isso é parte da democracia.


Apesar de ser um país mais jovem que o Brasil, a Austrália tem se mostrado mais à frente no enfrentamento de temas polêmicos mas necessários à sociedade. Para o Brasil, o jeito é esperar para ver quando a sociedade estará disposta a discutir e enfrentar o que causa desconforto. 


Sobre a autora


Excepcionalmente, nesta terça-feira, não será publicada a Conexão França. Em seu lugar, está a Conexão Austrália, escrita quinzenalmente às sextas-feiras pela jornalista e profissional de comunicação empresarial Fabiana Marinelo.


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