Conexão Argentina: Macri começa campanha com economia em queda

Nesta edição da coluna, Samuel Rodrigues fala sobre o presidente atribuir a grave situação do país a problemas que não podem ser resolvidos em quatro anos

Por: Samuel Rodrigues - De Buenos Aires  -  12/03/19  -  18:15

O presidente da Argentina, Mauricio Macri, deixou claro apenas em outubro do ano passado que buscaria a reeleição. Antes, talvez não houvesse clima por causa das dificuldades econômicas. O país continua mal das pernas, as projeções não são boas, mas, faltando pouco mais de seis meses para os argentinos irem às urnas, o governo já não podia esperar. A campanha finalmente começou.


Macri discursou no último dia 1° na abertura do ano legislativo, no belo e histórico edifício do Congresso argentino, no centro de Buenos Aires. Aliás, uma curiosidade para quem vier de visita: na praça bem em frente pode-se apreciar uma das muitas cópias da estátua O Pensador, de Auguste Rodin, assinada pelo próprio autor e sugestivamente posicionada de costas para o prédio.


Diferentemente da antecessora e virtual adversária nas eleições de outubro, Cristina Kirchner, Macri reserva suas falas a ocasiões específicas, como esta.


Sabendo que não pode se gabar de ter recuperado a economia, de ter domado a inflação ou de ter reduzido a pobreza, Macri usa a tática de atribuir a situação atual a problemas estruturais tão profundos que não podem ser resolvidos em apenas quatro anos. Na visão dele, é preciso dar um novo mandato a essa equipe de governo, quatro anos mais para tratar de recuperar o país.


“Quantas vezes na nossa história escolhemos pegar um atalho e sempre, sempre terminamos pagando as consequências”, disse Macri logo na abertura de seu discurso de cerca de uma hora. “E não falo apenas da herança recebida. Falo de algo mais profundo, da nossa impossibilidade, enquanto argentinos, durante décadas, de assumir nossas responsabilidades. Todos entendemos as consequências de não mudar, de seguir tapando buracos sem enfrentar os problemas estruturais de fundo”.


A referência ao kirchnerismo é óbvia. Antes de assumir e ao longo do mandato, Macri deixou claro que seu governo trataria de equilibrar as contas, já que, segundo seus economistas, os preços de serviços como o transporte público e o fornecimento de eletricidade e gás, todos fortemente subsidiados pelo Estado durante os governos de Néstor e Cristina Kirchner, teriam que subir.


Foi assim que, logo no começo do governo, Macri implementou, no fim de 2015 e no começo de 2016, uma política de cortes de subsídios e aumentos das tarifas que elevou fortemente as contas de gás e luz e também as tarifas dos ônibus, dos trens e do metrô.


Ao mesmo tempo, a Argentina quitou dívidas pendentes do último grande calote, em 2001, o que a tirou da lista internacional de maus pagadores logo no início do governo. A medida foi aplaudida pelo mercado financeiro, e a esperança era que, depois disso, chegariam novos investimentos estrangeiros a um país faminto por dólares.


Apesar das grandes expectativas criadas, a tal “chuva de investimentos” nunca se concretizou e a economia foi definhando até chegar à situação de retração atual. A previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) é que o produto interno bruto da Argentina encolherá 1,6% em 2019, frente a um crescimento mundial de 3,7%. O país pediu um empréstimo de US$ 57 bilhões ao fundo, o que reforça suas reservas internacionais, comumente usadas para defender o peso argentino contra os aumentos do dólar, mas amplia sua dívida externa.


No meio de tudo isso está a população. Na semana passada, viralizou nas redes sociais um vídeo em que clientes de um supermercado brigavam pela última porção disponível de carne em promoção.


Sem poder falar dos feitos, Macri faz campanha discursando sobre o que ainda fará. Resta saber quantos poderá convencer.


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