Vontade de poder
A não vontade de poder acaba sendo uma ofensa para muitos, principalmente quando se torna o anti-espelho daquilo que são
O filósofo alemão Friedrich Nietzsche falava muito em vontade de poder, demonstrando o horror que sentia por essa atitude humana, para ele execrável, pelas consequências envoltas em vaidade e ambição, muito mais do que poderia contribuir para o desenvolvimento. Já para Charles Darwin, essa vontade de poder, remanescente da origem do homem, era causa de desenvolvimento, apesar das dores e dos sofrimentos causados.
Na minha geração, ainda não tão frustrada com os desmandos dos poderosos ou, talvez, alienada de
seus trágicos resultados, ela era enaltecida e, muitas vezes, confundida com força, atitude, perseverança e "garra", palavra que começava a entrar na moda e ganhar respeito. Os irmãos maristas, no meu querido Colégio Santista, falavam muito numa atitude firme para se conduzir aos postos mais altos, aos cargos mais importantes e assim, atuar em favor do país.
Em contraponto, convivi com um pai, modéstia à parte, brilhantemente culto e de uma dignidade à toda prova, mas sem qualquer vontade de poder. A ponto de recusar qualificações mais altas na carreira, de jamais barganhar funções ou bajular os poderosos para alcançar este ou aquele cargo, na atividade profissional. Bastava perceber que seria alçado a uma posição mais alta na condição de delegado de Polícia, que tentava ficar à sombra para ser esquecido. Chegou muito bem ao final, por reconhecimento dos colegas e chefes, jamais por reivindicação própria.
Vivi um conflito bravo nesse sentido, entre a admiração por meu pai e sua maneira de ser e amigos e mestres que me diziam que eu nada conseguiria se não fosse à luta com todas as minhas forças. Aos poucos, fui descobrindo que a não vontade de poder acaba sendo uma ofensa para muitos, principalmente quando se torna o anti-espelho daquilo que são. Ou seja, quando os ambiciosos descobrem que o que lhes é mais importante e objeto do desejo máximo, como status e ascensão social, é inteiramente desprezado por alguém. Torna-se insuportável de conviver.
Como abrir mão um cargo, não aceitar o que parece irrecusável aos olhos mundanos, justamente porque confere o poder que julgam ser fundamental para a existência. Não vê como tantos não conseguem viver sem esses cargos? Os políticos não reeleitos, principalmente, que deixam um e já se desesperam para conseguir outro. É o fascínio da autoridade. Nem que seja para ser síndico do prédio.
A ausência de rótulos ou títulos, o silêncio, a convivência com o nada, o anonimato de vez em quando, também podem ser grandiosos e trazer muita satisfação. Definir o limite dessa vontade de poder, até onde é positiva e quando começa a extrapolar, é importante e lúcido.