100 anos de Lula: Santos comemora centenário do técnico mais vitorioso de sua história

Luís Alonso Peres foi o responsável por montar e comandar o maior time da história do Peixe

Por: Bruno Lima  -  22/02/22  -  07:32
Atualizado em 22/02/22 - 09:08
Com ele, o Alvinegro conquistou 38 títulos em 12 anos
Com ele, o Alvinegro conquistou 38 títulos em 12 anos   Foto: Divulgação/Santos FC

Vinte e dois de fevereiro de 2022. Nem todos os santistas sabem, mas hoje, se estivesse vivo, o treinador mais vitorioso da história do Santos completaria 100 anos. Luís Alonso Péres, popularmente conhecido como Lula, foi o responsável por montar e comandar o maior time da história com Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. Com ele, o Alvinegro conquistou 38 títulos em 12 anos.


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E se engana quem pensa que, em meio a tantos gênios, era só entregar camisas e pronto. Membro da comissão técnica do Peixe capitaneada por Aymoré Moreira, Lula foi efetivado no cargo de treinador do Peixe em 1954, quando o time da Vila Belmiro amargava uma fila de 19 anos sem títulos. Sob sua batuta, o Santos passou por uma metamorfose. O clube da Rua Princesa Isabel se torna mundialmente famoso, e entre 1955 e 1966 os torcedores só não celebram títulos no ano de 1957. Nas demais temporadas, foram taças e mais taças, incluindo o bicampeonato da Libertadores e o bicampeonato mundial nos anos de 1962 e 1963.


“Ele foi o melhor técnico que tive na vida”, afirma Lima. “Eu atuava no Juventus, da Mooca, era um garoto de 18 para 19 anos, e ele me convocou para disputar um torneio com a seleção paulista. Depois desse torneio, ele voltou para o Santos e pediu a minha contratação. Sempre me apoiou. Ele tinha uma capacidade de enxergar o ponto forte dos adversários incrível. O Lula estava à frente dos outros técnicos daquele período”, recorda o Curinga da Vila, que atuou no Santos entre 1961 e 1973.


Bonachão, Lula era conhecido como um treinador calmo que nunca se exaltava com os atletas. Nem mesmo à beira do campo quando um jogador deixava de cumprir alguma das suas orientações.


“Era a simplicidade em pessoa. Por mais que acontecesse um erro nas partidas, nunca alterava a voz. Após o jogo ou durante os treinamentos, ele chamava o jogador isoladamente e conversava com a maior calma do mundo. Diferente de muitos treinadores, o Lula sempre soube que não se mostra comando por meio de gritos ou palavrões”, comenta Lima.


Por conta da personalidade calma e da constelação de craques no elenco, criou-se a lenda de que Lula era uma figura decorativa no clube. Que estava ali apenas para distribuir coletes, ou que por ser pago para executar o que as estrelas do time mandavam ele chegava a dormir no banco de reservas durante os jogos.


“Isso é conversa mole! O Santos tinha mais de 30 jogadores, mas muitas pessoas não sabem que o Lula chegou sem esses atletas à disposição. Foi ele que indicou e montou os diferentes e vitoriosos times do Santos naqueles 12 anos. Foi um dos poucos treinadores que vi na minha vida que realmente tinham o grupo nas mãos”, conta Lima, que trabalhou por cinco anos consecutivos com o treinador.


“A verdade pura é que o Lula montou aquela máquina de jogar de futebol. Por vezes, nós chegamos a ter dois times e não se sabia quem eram os titulares ou os reservas”, acrescenta o Curinga, 22 vezes campeão com camisa do Santos.


Descobridor de talentos
Além de administrar o vestiário cheio de jogadores experientes e já mundialmente famosos, como o ocorreu após as principais conquistas do Santos, Lula tinha um olhar clínico para descobrir jovens talentos.


Pepe, o segundo maior artilheiro da história do clube com 403 gols, só atrás de Pelé, que balançou as redes adversárias com a camisa alvinegra 1.091 vezes, conta que recebeu a primeira oportunidade nos profissionais com Lula e viu o treinador encontrar outros craques em testes e partidas que às vezes antecediam os jogos da sua equipe.


“Quando o Lula assumiu como técnico do time profissional, eu sabia que ia ter uma oportunidade porque ele gostava muito do meu futebol desde o juvenil. Eu tinha 19 anos. Ele foi uma figura ímpar no Santos na descoberta dos jogadores. Observou o Dorval num teste, e poderia não ter aprovado. Ele viu o Coutinho com 14 anos numa preliminar em Piracicaba. Pouco depois, ele já estava na Vila Belmiro”, viaja no tempo o Canhão da Vila.


Seleção e saída do Santos
Apesar dos 12 anos épicos no Santos, Lula não teve a oportunidade de comandar a Seleção Brasileira em uma Copa do Mundo. Segundo o jornalista e escritor Fernando Campos Ribeiro, que está lançando um livro sobre Lula, o jeito e o vocabulário simples do treinador o atrapalharam para alcançar esse cargo.


“Os jogadores faziam muitas brincadeiras sobre o jeito errado de ele falar. Existe uma história de que um dia, num treinamento, o Lula pediu para quatro jogadores formarem um triângulo. O Lula não era realmente intelectualizado, mas tinha um conhecimento de vida muito grande. Quando ele queria dizer algo, era bem direto. Não ficava usando palavras rebuscadas. E o fato de não ser um treinador sofisticado e não usar palavras bonitas em entrevistas o atrapalhou na Seleção”, diz Ribeiro.


Autor da biografia 'Lula, o campeão esquecido', o escritor conta que a oportunidade de disputar uma Copa do Mundo até esteve perto de acontecer. Porém, à frente da seleção do México.


“Durante os três anos de pesquisa para o desenvolvimento do livro, vi que em 1961 ele aceitou uma proposta para comandar a seleção do México. O único porém foi que o Lula exigiu a inclusão de uma cláusula, que o liberaria imediatamente diante de um convite para treinar a Seleção Brasileira. Os mexicanos não concordaram e ele seguiu no Santos”.


O convite da Confederação Brasileira de Desportos (CBD) – entidade responsável por todos os esportes do país e que antecedeu a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) – para comandar a seleção nacional nunca veio. Isso, no entanto, não fez de Lula um treinador frustrado. Ainda de acordo com Ribeiro, a maior frustração profissional de Lula foi a sua saída do Santos, em 1966.


“Existem diferentes versões para a saída dele do Santos. Uma delas diz que, após a perda da Taça Brasil para o Cruzeiro, em 1966, houve uma discussão no vestiário entre jogadores e membros da comissão técnica, e os atletas teriam feito um movimento para que o Lula deixasse o cargo, sob a justificativa de que a relação estava desgastada”.


Longe da Vila Belmiro, ele deu sequência na carreira no comando da Portuguesa Santista. Logo em seguida, foi contratado pelo Corinthians. No Alvinegro da Capital, Lula é o responsável por colocar fim no tabu – que ele ajudou a criar – de 11 anos sem vitórias do Timão sobre o Santos.


“Quando o Lula assumiu o Corinthians, o clube enfrentava uma fila de títulos que já durava 14 anos. Mas, ao chegar lá, ele não é cobrado para conquistar títulos. O pedido dos diretores corintianos foi para acabar com o tabu contra o Santos”, assinala.


No primeiro confronto entre os dois times, em 1967, o Santos venceu por 2 a 1. Mas, em março de 1968, o Corinthians ganhou por 2 a 0 e os relatos de quem estava presente é de que houve uma festa absurda. “A ponto de ter gente andando de joelhos para pagar promessas”, descreve o escritor.


No time do Parque São Jorge, Lula saiu sem ter sido campeão. Em seguida, ele teve passagens pela Portuguesa de Desportos, Portuguesa Santista novamente e, por fim, o Santo André Futebol Clube, instituição que mais tarde deu origem ao atual Esporte Clube Santo André.


Pouco tempo depois de chegar ao Santo André, em 1972, Lula, então com 50 anos, faleceu em razão de problemas nos rins.


“Ele ficou muito debilitado por conta da doença e precisou ser internado. Foram dois meses de internação à espera de um transplante de rins. Esse transplante até ocorreu. Após um acidente de trânsito, que vitimou uma menor, ele recebeu os rins dela. Porém, os médicos constataram uma embolia e semanas mais tarde o Lula veio a falecer”, explica o escritor.


Lula na versão pai
Ao partir, Lula deixou três filhos: Marcos Tadeu Alonso, hoje com 65 anos, Leonor Maria Alonso, atualmente com 61, e Luiz Alonso Peres, que morreu há dois anos, com 65 anos, vítima de câncer.


Marcos conta que na época em que o pai comandava o Santos ele era apenas uma criança. Contudo, garante que viveu aquele período intensamente. “Nessa época áurea do Santos, eu era o mascotinho do clube, viajava com o time, entrava em campo com os jogadores. Não tinha muita noção do que significava tudo aquilo. Só fui começar a entender o tamanho dos feitos dele na adolescência, depois que ele morreu, porque muita gente perguntava”, diz Marcos, que não esconde o orgulho do pai.


“Como pai ele era muito liberal, assim como era com os jogadores. Ele tratava os atletas de igual para igual. Era um paizão mesmo. E o mais valioso de tudo é que nunca vi ninguém criticar o meu pai. Ele deixou uma herança moral e profissional excepcional”, afirma Marcos.


Por outro lado, a herança financeira deixada por Lula não foi das melhores. Péssimo administrador das suas finanças, o treinador não guardou dinheiro do período em que comandava o Santos.


“Depois de deixar o Santos, ele trabalhou em outros clubes e comprou um posto de gasolina na Cidade. Mas aquilo não era a praia dele. Ele se perdeu por inteiro financeiramente”, relata Marcos.


Chamado por algumas pessoas de Lulinha, Marcos está em vias de ver um antigo sonho seu se realizar, que é o lançamento do livro que conta a história do seu pai.


“Eu mesmo cheguei a começar a escrever um livro sobre ele, mas não foi para frente. Agora o Fernando Ribeiro conseguiu fazer isso por mim. Não tenho nenhum interesse financeiro na publicação. A única coisa que quero é que as pessoas tenham a verdadeira noção de quem foi o meu pai. Principalmente para terem conhecimento do que era o Santos antes da chegada dele no time profissional e no que o clube se transformou”, finaliza o filho.


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