Memórias de Cláudio Christóvam de Pinho são preservadas pela família, em Santos

Atleta jogou pelos quatro grandes times do Estado e é o maior goleador da história do Corinthians

Por: Eduardo Silva  -  18/07/22  -  11:09
Atualizado em 18/07/22 - 11:10
Cláudio Christóvam de Pinho foi o maior artilheiro da história do Corinthians, com 306 gols
Cláudio Christóvam de Pinho foi o maior artilheiro da história do Corinthians, com 306 gols   Foto: Reprodução

Cláudio Christóvam de Pinho, o maior artilheiro da história do Corinthians, com 306 gols, completaria 100 anos de nascimento neste domingo (17), e tem suas memórias preservadas na cidade de Santos, onde nasceu em 17 de julho de 1922. Essas recordações começaram a ser guardadas pelo próprio craque – morto em 2000 – e representam um verdadeiro tesouro do futebol brasileiro.


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Atualmente, o neto de Cláudio, o jornalista Guto Britto, de 52 anos, guarda o acervo com auxílio permanente do irmão Cláudio Luiz, professor de 44 anos, e a filha de Cláudio, Cláudia Maria Corchs de Pinho, pedagoga de 75 anos que é a mãe de Guto. Eles ainda ganharam a companhia da filha de Guto e bisneta de Cláudio, Maria Valentina, de 8 anos, que também já está conhecendo a história do bisavô, um dos grandes ídolos do futebol brasileiro. “O Corinthians é um time especial. Ele me impressiona por causa do meu bisavô. Eu tenho orgulho do grande jogador que ele foi. Aqui, toda a família é corintiana”.


Cláudio foi, sem dúvida, um dos jogadores mais completos do futebol de São Paulo. Artilheiro de chutes espetaculares e cruzamentos perfeitos. A carreira dele foi tão fantástica que é lembrado até hoje como o primeiro atleta a defender os quatro clubes grandes paulistas. Foi um ponta-direita diferente e moderno já nos anos 1940. Atacava, sabia armar e recuava quando necessário. Com tantas qualidades, também foi convocado para as seleções paulista e brasileira.


O atacante começou na várzea, defendendo o Santa Cecília, e daí em diante escreveu uma das trajetórias mais lindas dos gramados. Começou no Santos, em 1940. Foi emprestado ao Palmeiras, onde foi campeão em 1942 e marcou o primeiro gol com a camisa palmeirense, que acabava de deixar o nome de Palestra Itália. Cláudio voltou para a Vila Belmiro porque não conseguia se adaptar na Capital Paulista. Sentia saudade de Santos, mas só ficou até em 1945, quando foi contratado pelo Corinthians, onde faria uma carreira cheia de títulos.


Somente pela equipe de Parque São Jorge, foi tricampeão paulista, tri do Torneio Rio-São Paulo e campeão de vários troféus internacionais. São muitas marcas impressionantes com a camisa 7 do Corinthians. Maior artilheiro do clube com 306 gols, maior goleador do dérbi (clássico contra o Palmeiras) com 21 gols e maior artilheiro da história do Pacaembu, com 202 gols. Ele ficou 13 anos no time de Parque São Jorge e, quando parou de jogar, ainda ficou 14 meses como técnico.


Quando saiu do Corinthians, recebeu o convite de Laudo Natel, então dirigente do São Paulo e que depois seria governador do Estado, para defender o Tricolor antes de encerrar a carreira. Essa é uma prova de como era admirado e respeitado em todos os clubes. Detalhe: Cláudio jogou em três times da Capital, mesmo sem nunca morar em São Paulo. A paixão pela família e pela cidade de Santos fazia com que ele encarasse a estrada todos os dias. A paixão pela praia também falou alto.


No Santos, ao lado de Pelé, time onde começou, em 1940, e no Palmeiras, em 1942
No Santos, ao lado de Pelé, time onde começou, em 1940, e no Palmeiras, em 1942   Foto: Reprodução

Cláudio saiu do futebol, mas nunca ficou longe do esporte. Nos tempos de ouro do futebol de praia em Santos, emprestou toda sua categoria ao tradicional Náutico, campeão das areias. Gigi, o grande artilheiro da praia, lembra o dia que Cláudio e Pelé jogaram juntos pelo Náutico. “Os maiores craques do futebol brasileiro jogaram na praia. E num dia muito especial, Pelé jogou no gol e Cláudio brilhou na linha. Era um momento mágico do esporte”.


Sempre perfeccionista, o craque também brilhou no tamboréu e foi campeão do Torneio Popular A Tribuna pelo Clube Internacional de Regatas. São tantas histórias de Cláudio Christóvam de Pinho que fica impossível contar todas elas. Mas, além das cobranças magistrais de falta, como a famosa “curvita” contra o goleiro Costa Pereira, do Benfica, na vitória por 2 a 1, há as jogadas famosas construídas com Baltazar – ele levantava a bola para cruzar na grande área e servia o companheiro. Só essa dupla marcou 576 gols pelo time corintiano.


Além da habilidade com a bola nos pés, ele tinha uma liderança natural. Um perfeccionista que era o homem de confiança do técnico Osvaldo Brandão em campo. O consagrado Brandão, que conhecia tudo de futebol, dava liberdade para o capitão mudar a forma de jogar dos corintianos. Daí surge o apelido de Gerente, pois comandava os companheiros dentro das quatro linhas. Foi com essas características que Cláudio se transformou num dos nomes mais importantes do futebol brasileiro.


O Gerente também foi campeão pela Seleção Brasileira no Sul-americano de 1949, mas apesar do futebol refinado não foi chamado por Flávio Costa para a Copa do Mundo de 1950, que o Brasil perdeu para o Uruguai, no Maracanã. O historiador Celso Unzelte lembra que o técnico preferiu convocar Alfredo Segundo, do Vasco da Gama, que nem era da posição.


Lembranças da família
No apartamento onde são guardadas as recordações do ídolo, a família se emociona a cada lembrança. “Para mim, ser a Cláudia, que vem de Cláudio, era o maior orgulho além do que eu já tinha”, fala a filha, com lágrimas nos olhos.


Cláudia também citou, com muito carinho, alguns companheiros do pai no futebol, como Olavo Martins de Oliveira, e o eterno capitão do Santos, Zito. “Olavo e Zito eram pessoas muito próximas ao meu pai. Olavo, pela parceria de tantos anos no Corinthians, e o Zito, mesmo jogando pelo Santos, sempre foi um grande amigo”.


Ela ainda fez questão de um agradecimento. “O doutor Laudo Natel, mesmo sendo são-paulino, procurou meu pai quando ele deixou de ser técnico do Corinthians e disse o seguinte: ‘Cláudio você não pode sair assim do futebol. Ofereço um contrato de dois anos para você voltar a jogar e você decide quanto tempo pode ficar. Meu pai ficou um ano e meio. Procurou Laudo Natel, agradeceu, e disse que não ficaria mais porque tinha o coração corintiano. Isso não é só sobre o futebol. Mas sobre caráter”.


O neto Guto Britto está organizando há muito tempo toda essa documentação e o irmão dele, Cláudio Luiz, recordou quando o avô chamou os netos para falar, pela primeira vez, sobre a missão de juntar todas as fotos e publicações num memorial. “Ele conversou com a gente, falou da ideia. Nós começamos, depois paramos um pouco e ele faleceu no ano 2000”.


Guto completou: “São mais de mil fotos, livros, revistas e depoimentos. Vamos aproveitar o ano do centenário de nascimento dele para divulgar essa história linda”.


Os dois netos se emocionaram bastante durante a reportagem. Também, imagine a euforia de dois garotos que cresceram ouvindo a histórias de um avô famoso. Que menino não sonharia com isso? Guto nem consegue lembrar quantas pessoas já o abordaram assim: meu nome é Cláudio por causa do seu avô. “Isso é muito forte. Muito bacana”.


Cláudio Luiz completa: “Eu tenho muito orgulho do meu avô. Já encontrei muitos jogadores que atuaram com ele e fazem questão de falar: seu avô era espetacular. Como jogador e como homem. É difícil segurar a emoção". Não tenha dúvida que Cláudio Christóvam de Pinho era assim mesmo. Jogava demais, fazia muitos gols, mas impressionava pela palavra, postura e dignidade. Sempre pautou a carreira no futebol pelas atitudes corretas. Ajudava os amigos e pedia respeito com adversários e torcedores. Os mais novos que não o conheciam podem ter uma certeza: essa é uma das histórias mais lindas do futebol brasileiro.


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