Família atingida por incêndio da Lojas Marisa pede ajuda em São Vicente: ' Humilhada e sem direção'

Casal com três filhos luta por moradia e diz que foi orientado a deixar crianças em orfanato e viver em abrigo

Por: Ágata Luz  -  06/08/22  -  06:54
Atualizado em 06/08/22 - 21:54
Morando de aluguel, eles tiveram de sair de casa, e se chegou a sugerir que crianças ficassem em orfanato
Morando de aluguel, eles tiveram de sair de casa, e se chegou a sugerir que crianças ficassem em orfanato   Foto: Matheus Tagé/AT

Humilhada e sem direção. É assim que uma família de São Vicente se autointitula após perder quase tudo com o incêndio em uma unidade da Lojas Marisa no último dia 14. Isso porque o casal, que possui três filhos, segue desamparado mais de 20 dias depois do incidente.

Os pais afirmam que chegaram a ser orientados a colocar as crianças (de 1, 6 e 9 anos) em um orfanato e ficar em um abrigo municipal para pessoas em situação de rua.


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“Não somos moradores de rua. Eles tiraram minha casa, meu conforto, minha estabilidade. A obrigação é restituir meus móveis, nossas roupas e devolver tudo que me fizeram perder”, enfatiza a esteticista Isadora Marques Oliveira Arizi, de 32 anos.

Ela diz que trabalhava em seu salão no momento do incêndio, quando precisou resgatar o marido e os filhos, que ficaram presos na casa e inalaram fumaça por horas.


Em entrevista para A Tribuna, a família conta que ficou em um hotel no bairro Gonzaguinha desde o dia do incidente, pois a casa em que viviam – e era alugada – foi muito atingida, já que ficava nos fundos da loja incendiada. “A única coisa que a Marisa proporcionou foi hotel e, depois de dois dias, alimentação”, explica o autônomo Marcos Vinicius Arizi da Silva Oliveira, de 33 anos.


Inicialmente, a hospedagem foi fruto da mobilização da Administração Municipal com os proprietários do hotel, que cederam uma diária com jantar no dia do ocorrido. “Depois, o pessoal da Prefeitura ligou para Marisa e eles assumiram, no dia 15, a responsabilidade de continuar com as diárias”, relata a mulher.


Durante a estadia, a família precisou procurar ajuda médica e as crianças foram diagnosticados com feridas internas, que são tratadas com antibióticos. Mas, segundo o casal, a única ajuda com as medicações veio de clientes da esteticista - que atua em um box dentro de uma galeria no Centro da Cidade, assim como o marido atua com barbearia.


A família também conta com doações financeiras para fraldas e itens de higiene. “Fiquei 20 dias parada sem poder trabalhar para dar vida aos meus filhos que tiveram paradas respiratórias e estão convulsionando”, afirma Isadora.


Marcos complementa a esposa dizendo que os dias parados geram consequências financeiras. O aluguel da casa atingida pelo incêndio, inclusive, venceu e o proprietário cortou a energia e água do local, o que impossibilita o retorno ao imóvel. Além disso, ainda por dívidas, a esteticista corre o risco de perder o ponto onde trabalha.


Moradia

Após 19 dias hospedados em um hotel no Gonzaguinha, o casal foi alertado de que teria que retornar à antiga residência. “Falaram que mandaram uma equipe de limpeza para casa. Minha esposa foi lá abrir (o imóvel), mas falou que a gente não precisa de limpeza, pois o problema é que perdemos tudo”, diz Marcos. Segundo o casal, os únicos móveis que restaram foram uma geladeira, um fogão e um guarda-roupa.


Ao serem informados que a empresa responsável pelo incêndio não pagaria mais a estadia, o casal acionou a assistência social do município. “Disseram que a única solução era as crianças irem para o orfanato e a gente ir para abrigo”, desabafa o cabeleireiro autônomo.


“Foram fechando vários caminhos e a gente ficou sem direção. Não tem como ficar sem luz, água e móveis. Eu também não vou largar meus filhos em orfanato e não ficar com minha esposa em abrigo”, enfatiza Marcos. Ele ainda diz que chegou a ameaçar dormir em frente à unidade da Marisa em Santos, se fosse preciso. “Como prejudicam uma família e não dão suporte?”.


Desta forma, uma representante da empresa entrou em contato com o casal para informar que a estadia em outro hotel no Centro estaria garantida até o dia 10 de agosto. “Está enxugando gelo. Se fizer uma logística inteligente, resolverá o problema”, relata o homem. Ele garante que os custos de um hotel são caros e eles precisam de uma casa.


“Em vez de pagar hotel, podiam alugar um imóvel com um prazo para a gente se levantar e proporcionar alimentação por um mês, porque a gente perdeu tudo. Assim, teremos estabilidade para recomeçar”, sugere Marcos, que além de cabeleireiro, é técnico de segurança de trabalho e auxiliar de enfermagem.


Ele diz que a insegurança em relação à moradia dificulta que ele trabalhe. “Tenho que esperar boa vontade de restaurante, minhas dívidas acumulam e eles não resolvem o problema, só aumentam”.


Sentimento

Isadora relembra que se recuperou de uma depressão profunda há poucos meses. “Quando o neném nasceu, quase o estrangulei porque tive depressão pós-parto. Fiquei sedada. Nas crises, quero me machucar, me jogar entre os carros”, descreve. Ela diz que faz pouco tempo que retomou as atividades profissionais.


“Agora veio esse dilúvio sobre minha vida. Desencadeou a depressão de novo. Fui na psiquiatra, pois tenho que estar dopada quando vierem crises”, afirma a esteticista, que se preocupa com a saúde dos filhos, que precisam passar por neurologista e fazer diversos exames. “Já expliquei, mas não estão nem aí, então fica tudo complicado. É uma luta muito difícil”.


“A gente perde a liberdade de ir e vir, pois ficamos na dependência de alguém fornecer algo. É muito humilhante”, diz Marcos. O homem afirma que tinha independência e era muito reservado, pois não possui família na região. Mas hoje, o cenário é outro.


“O constrangimento que estou vivendo é complicado. Minha esposa está com depressão, então chora e quer se matar. Eu tenho que acalmar, mas também ver as crianças e ainda o que vamos comer”.


Ajuda

A família chegou a contatar dois advogados, um particular e outro da Defensoria Pública, mas ambos liberaram a causa. Agora, Isadora e Marcos contam com ajuda por meio de doações. Interessados podem entrar em contato com a família pelo telefone (13) 99668-4129.


Respostas

A Prefeitura de São Vicente e a assessoria da Lojas Marisa se pronunciaram sobre o caso. Em nota, a Administração Municipal afirmou que a Secretaria de Desenvolvimento Social (SEDES) “realizou a mediação entre a família e a empresa responsável pelo incêndio, que se disponibilizou em arcar com os custos de hotel e estadia durante o período de perícia e recomposição do imóvel, bem como comprou 40 itens de vestuário para toda a família. Além disso, o secretário (Leandro Valença) conseguiu mobilizar doações financeiras para comprar roupas e outros itens de necessidades básicas para a família".


A Prefeitura ainda ressaltou que atendeu, orientou e deu encaminhamento para saúde. Desta forma, “aguarda a definição da residência, para verificar a necessidade de transferência das escolas dos filhos do casal, garantindo unidades de ensino próximas, a fim de não conflitar com os trabalhos dos pais”.


Devido à dificuldade financeira da família, a Administração Municipal confirmou que “disponibilizou vaga no Serviço de Acolhimento Casa de Estar, ofertando estadia, café da manhã, almoço, lanche e jantar”. Além disso, afirmou ainda que “há um advogado particular ajudando a família, tomando as medidas judiciais compensatórias para viabilizar, diante dos diversos prejuízos, a indenização cabível de responsabilidade da empresa, que se propôs em colaborar”.


Já a Marisa informou que oferece suporte desde o dia do incêndio e disponibilizou apoio profissional.
“Há duas semanas, a empresa tentou comunicação para viabilizar o retorno do casal e seus filhos para casa, sem sucesso”, diz a nota.


O comunicado ainda informou que a família ficou em um hotel da região. “Em seguida, uma vistoria técnica foi realizada conjuntamente pelo time de engenharia da Companhia e da prefeitura de São Vicente no imóvel do casal, identificando que não houve danos estruturais à residência. Desde então, a Marisa tem tentado falar com os moradores para realizar a higienização e limpeza do local, que não foi aprovada por Isadora e Marcos”.


Ainda de acordo com a empresa, foi fornecida “sequência à estadia da família no hotel com refeições inclusas. Reiteramos ainda que foram entregues peças de vestuário, entre roupas e calçados, de acordo com os tamanhos solicitados por Marcos, via WhatsApp”.


Segundo a Marisa, no dia 4 de agosto, uma equipe esteve no hotel para contatar o casal. “Uma série de exigências foram feitas por eles, como: pagamento de dívidas anteriores ao incêndio, custeio de três meses de aluguel, incluindo contas de consumo, luz, entre outras. Diante de inúmeras imposições financeiras que não têm qualquer ligação com o ocorrido, a empresa aguarda o contato de um representante legal da família”.


A empresa ainda enfatizou que não tinha conhecimento dos potenciais problemas de saúde decorrentes do incêndio e, a partir dessa informação, “se compromete com a realização de exames e consultas para toda a família, com o objetivo de dar todo o apoio profissional e financeiro a qualquer problema de saúde decorrente do incidente”.


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