Violência contra advogados na mira da OAB-Santos

Procuradoria-geral da entidade cria resolução para suporte aos profissionais vítimas de crimes, como ameaça e agressão

Por: Maurício Martins  -  11/04/22  -  15:03
OAB-Santos é uma das maiores do Estado, com mais de 8 mil inscritos
OAB-Santos é uma das maiores do Estado, com mais de 8 mil inscritos   Foto: Reprodução

Advogados agredidos dentro de uma delegacia da Polícia Civil, desrespeitados por um delegado da Polícia Federal e xingados por uma promotora de Justiça. Todos esses casos são verdadeiros e aconteceram nos últimos anos em vários estados do Brasil. Em Santos, em fevereiro deste ano, um advogado foi sequestrado ao atender um suposto cliente (leia abaixo). O crescimento da violência contra os profissionais levou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Santos a criar uma resolução para suporte aos seus inscritos.


A resolução amplia a competência da procuradoria-geral da entidade para dar suporte aos advogados e advogadas vítimas de violência ou grave ameaça no exercício de atuação profissional. A medida, inédita na região, faz com que a OAB-Santos tenha competência para acompanhar e fiscalizar as investigações policiais e processos judiciais aos quais advogados tenham sido vítimas.


“Assim como as demais carreiras jurídicas, a advocacia possui adversidades que colocam em risco a segurança, integridade física e a vida de seus inscritos. A atuação do advogado em inquéritos, demandas judiciais ou administrativas, por muitas vezes, resulta em certo descontentamento por quem se encontra no outro lado da mesa, sejam servidores públicos ou até os próprios clientes”, afirma o procurador-geral da OAB-Santos, Bruno Bottiglieri Freitas Costa.


Segundo ele, o descontentamento com os advogados porque a sociedade tem dificuldade para desassociar a figura do profissional e da pessoa por ele defendida, do crime cometido ou do resultado obtido na ação. Costa diz que o aumento das demandas no Poder Judiciário resultou em um contexto propício à violência contra a classe, principalmente nos crimes relacionados à vingança.


“Temos, como exemplo recente, a execução de uma colega em Ponta Grossa (PR), em março. E em janeiro houve um atentado contra uma advogada em Campos dos Goytacazes (RJ), que teve seu escritório invadido por um cliente, sendo alvejada por quatro tiros”, detalha o procurador-geral da OAB-Santos.


Em Santos

A Subseção da OAB em Santos é uma das maiores do Estado, conta hoje com mais de oito mil inscritos. Costa explica que são rotineiros os relatos de violência aos colegas de profissão, independentemente da área de atuação, criminal, cível, trabalhista ou família.


"Além dos crimes de vingança, os colegas devem se atentar com relação ao sigilo de seus honorários e o levantamento de alvarás judiciais ou precatórios, já que as informações podem ser facilmente levantadas ou repassadas para fins de prática de sequestro-relâmpago”, ressalta.


Ele garante que “inúmeros colegas” relatam terem sido vítimas de violência e grave ameaças. “Já ouvimos relatos de colegas que se sentiram desestimulados em denunciar ou representar seus agressores por não deterem conhecimento jurídico específico na área do direito penal, com receio da exposição do fato no meio jurídico, ou até por medo de futuras represálias”.


Neste contexto, a Procuradoria da OAB-Santos vai comunicar a ocorrência de crimes contra advogados, realizar o acompanhamento dos atos em investigação policial, podendo, inclusive, requerer diligências em delegacias e na Justiça, além de assistir o advogado durante o processo judicial.


“A atuação por parte da instituição, principalmente, no âmbito das investigações policiais, resulta em maior celeridade na conclusão da investigação, melhor atendimento à vítima e uma verdadeira resposta institucional. Afinal, para nós, o desrespeito com um colega é assimilado como uma ofensa com toda nossa classe profissional”, afirma Costa.


Com o advento da Resolução 02/2022, qualquer advogado inscrito na OAB-Santos poderá buscar auxílio da instituição, sendo redirecionado à Procuradoria para um primeiro atendimento, apuração dos fatos e intervenção institucional.


“Pressionaram revólveres e faca no meu corpo”, diz profissional sequestrado

"Estava em meu escritório quando recebi o telefonema de um cidadão idoso que queria contratar meus serviços para dar entrada em uma ação de inventário. Ele alegou dificuldades de locomoção e me pediu para atendê-lo em sua residência. Como tenho muitos clientes idosos, não desconfiei de nada”.


Assim começou uma história de terror que um advogado santista, de 46 anos, passou em fevereiro deste ano. O profissional, que pediu para não ter o nome revelado, foi ao endereço do suposto cliente e acabou abordado por quatro bandidos armados, que o colocaram em um veículo e exigiram a transferência bancária de R$ 50 mil, via celular.


Como o advogado não tinha a quantia, os criminosos o obrigaram a fazer empréstimos em aplicativos de bancos, em valores superiores a R$ 30 mil, para depois transferir o dinheiro. Além disso, fizeram compras no cartão de crédito dele.


Depois disso, a quadrilha mandou o advogado reiniciar o celular com as configurações de fábrica, mas a senha não estava funcionando. “Foi o momento mais tenso”, diz ele. “Eles começaram a pressionar os revólveres e a ponta da faca no meu corpo. Quando pensei que realmente fosse morrer, o celular finalmente reiniciou”. Os bandidos colocaram o advogado num carro e o deixaram em Vicente de Carvalho.


“Acredito que minha profissão foi decisiva para que os criminosos me escolhessem, pois eles estavam atrás de um advogado que havia ganho R$ 50 mil em uma causa, ou seja, era um alvo específico. Mas eu não tinha nada a ver com a história”.


Para ele, o apoio da OAB-Santos é fundamental. “Deixa nós, advogados, com uma sensação de amparo e proteção. O que aconteceu comigo foi traumático, e saber que minha organização de classe me estendeu a mão e me deu apoio foi muito reconfortante”.


Iniciativa é importante, dizem inscritos

Advogados inscritos na OAB-Santos elogiaram a iniciativa da entidade. “Essa preocupação da OAB-Santos assegura maior credibilidade aos colegas no exercício da sua função e na briga por suas prerrogativas", opina o advogado criminalista Eugênio Malavasi. “Diante dos noticiários, nos quais dão conta da crescente violência contra os profissionais da advocacia, nos últimos anos, o exercício constitucional da advocacia está em crescente risco", completa.


Para o também criminalista Armando de Mattos Júnior, tudo o que colabora com a advocacia é bem-vindo. “Não só os advogados têm sofrido muito, mas outros profissionais liberais. Para os que estão na linha de frente, como policiais, médicos e advogados, que precisam ir de um lugar ao outro, sempre é preocupante. Não é um fenômeno da advocacia (a violência), mas de outras profissões também”.


O advogado Brunno Brandi, especialista em Direito Imobiliário, acredita que os relacionamentos estão cada vez mais complexos e frágeis, não apenas os envolvendo advogados. “Os índices de violência no País são elevadíssimos e ações como a da diretoria da OAB-Santos mostram a preocupação com os problemas enfrentados pela classe”.


A advogada Brunna Maciel Rodrigues, especialista em Direito Tributário, destaca que a medida é válida. “No cumprimento das atribuições como operador de Direito, o advogado precisa garantir a defesa de seus clientes. Muitas vezes, a parte contrária não entende e cria um certo atrito com o advogado, achando que se trata de um rival, o que não corresponde à realidade”.


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