Revolução de 1932: Há 90 anos, a batalha de São Paulo por uma Constituição

A Revolução Constitucionalista foi o último grande conflito armado no País

Por: Régis Querino  -  09/07/22  -  21:48
Monumento Revolução Constitucionalista de 1932, na Praça José Bonifácio, no Centro de Santos
Monumento Revolução Constitucionalista de 1932, na Praça José Bonifácio, no Centro de Santos   Foto: Matheus Tagé/AT

Considerado o último conflito armado de grandes proporções em território brasileiro, a Revolução Constitucionalista de 1932 completa 90 anos neste sábado (9). O levante das tropas paulistas contra o Governo Provisório de Getulio Vargas, que durou 87 dias (entre 9 de julho e 4 de outubro), foi uma resposta de São Paulo à Revolução de 1930, que acabou com a autonomia dos estados, garantida pela Constituição de 1891.


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Insatisfeita com os rumos do País sob o comando de Vargas, que assumiu após a deposição do presidente Washington Luís, em 1930, a elite paulista buscava reconquistar o comando político. As exigências: novas eleições para presidente e a promulgação de uma nova Constituição. Em 23 de maio de 1932, em São Paulo, um ato a favor das eleições gerou forte repressão policial, resultando na morte dos estudantes Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo.


O fato foi o estopim para a revolta paulista e as iniciais dos jovens (MMDC) se tornaram um dos símbolos do movimento. Estima-se que cerca de 10 mil voluntários perfilaram entre os 30 mil soldados da tropa paulista para combater o exército federal, formado por 55 mil homens. Outros 30 mil combatentes, das forças policiais do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Mato Grosso, engrossaram a ofensiva federal contra os revolucionários.


Relatos em A Tribuna

Entre os voluntários paulistas, como relatou A Tribuna na edição de 9 de julho de 2012, “centenas de santistas também corriam em direção ao Colégio Barnabé para se alistar e formaram parte dos 7º e 8º Batalhões de Caçadores da Reserva, que se dirigiram ao Sul e ao Norte do Estado, respectivamente”. Naquela época, três integrantes das tropas ainda estavam vivos e um deles, João da Cruz Batista, relatou a sua experiência no confronto ao jornal.


Batista se alistou e foi ao Vale do Paraíba sem avisar os familiares mais próximos. “A única pessoa que soube foi minha irmã. Disse para ela comunicar minha mãe que tinha ido para a Revolução. Foi um ato ingrato. Quando voltei, ela chorou muito. Até hoje, é difícil falar sobre isso. Faz 80 anos e ainda está na memória”, relembrou ele, há dez anos.


Batista, porém, não foi convocado para a frente de batalha e relembrou o sentimento sobre o fracasso da causa paulista. “Sentimos que não dava para ganhar. Não tínhamos armas suficientes. Estávamos em desvantagem em tudo. Houve a campanha do ouro, tanto que eu mesmo doei uma medalha de ouro para comprar armas, mas não adiantou”, recordou, sobre a campanha Ouro para o Bem de São Paulo, que visava a arrecadar fundos para a Revolução.


Capitulação e Nova Constituição

Após quase três meses de combates, São Paulo foi cercada por tropas federais e os paulistas se renderam no dia 4 de outubro de 1932. Na época, foram registrados 934 mortos, mas hoje acredita-se que mais de 2 mil pessoas tenham perdido a vida no conflito.


Apesar da derrota paulista, o movimento foi considerado um marco na defesa da democracia, pois defendia eleições livres, com voto secreto, voto feminino e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, que impulsionaram a promulgação da Constituição de 1934.


Lembranças familiares

Membro da Associação dos Combatentes de 1932 de Santos, Gregório Marques Cardim da Silva tem razões de sobra para ser um dos simpatizantes da Revolução Constitucionalista. O fisioterapeuta de 35 anos é neto de dois ex-combatentes: o avô paterno, João Sebastião da Silva, e o avô materno, Moacyr Olintho de Carvalho.


João Sebastião da Silva, avô de Gregório, e a carteirinha do Clube dos Combatentes
João Sebastião da Silva, avô de Gregório, e a carteirinha do Clube dos Combatentes   Foto: Arquivo pessoal

Apesar de não ter convivido com os avôs, Gregório guarda histórias da Revolução que os ex-combatentes contaram aos seus pais. Além de lembranças, ele mantém documentos e objetos dos avôs relacionados ao movimento revolucionário.


“Meu pai guardou o material e acabou passando para mim, que comecei a pesquisar sobre o assunto. Assim, acabei militando para preservar a história, me juntando à Associação de que os meus avôs fizeram parte”, conta.


Segundo os relatos colhidos dos pais, Gregório tem a imagem do avô João como a de um homem engajado na Revolução. “O João era mineiro, mas veio morar em Santos. Era muito ligado à causa constitucionalista, fez parte da Associação de Combatentes de São Paulo e recebeu as medalhas MMDC e da Constituição.”


Durante a Revolução, João Sebastião da Silva serviu no Batalhão Bento Gonçalves. Anos mais tarde, orgulhoso, “participava de todos os desfiles dos ex-combatentes”, diz Gregório. A ligação com o movimento continuou após a sua morte, em 1987, quando foi sepultado no Mausoléu do Soldado Constitucionalista, no Cemitério da Areia Branca, em Santos.


Tatuagens como lembranças

De acordo com o fisioterapeuta, o avô materno, Moacyr Olintho de Carvalho, serviu no Batalhão Operário de Santos. A história mais marcante contada por ele à mãe de Gregório foi de quando se safou da morte, após a tropa ser atacada pelas forças de Getulio Vargas.


Moacyr Olintho de Carvalho viu a morte de perto na Revolução de 1932
Moacyr Olintho de Carvalho viu a morte de perto na Revolução de 1932   Foto: Arquivo pessoal

“Entre um combate e outro, eles foram surpreendidos com uma chuva de granadas dos Federalistas. Com a explosão, morreram os combatentes que estavam ao lado dele (Moacyr), que apenas fraturou o braço direito e teve algumas escoriações”, conta.


Após o fim do levante, com a rendição das tropas paulistas, o avô decidiu marcar no corpo o dia em que “viu a morte de perto”. “Ele tatuou no braço direito o Brasão da República e Jesus Cristo crucificado. Segundo ele, era para que sempre que olhasse para o braço e visse aquelas tatuagens, iria se lembrar que, por amor à pátria, ele arriscou a sua vida, e Jesus Cristo, por um milagre, o salvou.”


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