Juíza de Santos cria instrumento para desocupar área de antigo Lixão da Alemoa

Inédita, solução busca reunir partes envolvidas para fazer cumprir sentença de 2002 sobre a Vila dos Criadores

Por: Arminda Augusto  -  13/03/22  -  07:34
Mesmo condenado a desocupar a área, o Município ainda não cumpriu a sentença definitiva, de 2012
Mesmo condenado a desocupar a área, o Município ainda não cumpriu a sentença definitiva, de 2012   Foto: Fernando Camacho

Uma área pertencente a Santos e que ocupou o noticiário da imprensa local até o início dos anos 2000 volta a ser pauta: a Vila dos Criadores, localizada já na saída da Cidade, onde durante três décadas funcionou o antigo Lixão da Alemoa. Ali vivem cerca de 4 mil pessoas, número que cresce sem controle e de forma irregular.


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O Lixão da Alemoa foi desativado pela Prefeitura de Santos em 2002, e parte das famílias que viviam da comercialização e do consumo do lixo na Vila dos Criadores foi transferida ao conjunto habitacional do Ilhéu Alto, na Zona Noroeste. Parcialmente desfeita, a vila voltou a ser ocupada ano a ano. Hoje, a taxa de crescimento de habitações irregulares ali é de 6,9% ao ano.


Também em 2002, a Justiça condenou a Prefeitura de Santos a desocupar totalmente aquela área e recuperar o meio ambiente, tanto o solo quanto o lençol freático, ambos contaminados pelos efluentes do lixo ali depositado durante décadas. Depois de dez anos com recursos transitando nas esferas judiciais, a ação chegou ao fim em 2012, com a condenação da Prefeitura. Mas nada foi feito desde então.


Imagens obtidas pelo Google Earth Pro mostram a Vila dos Criadores em 2009, com apenas 250 habitações desconformes (HD), e em 2021, com 512HD. Prefeitura afirma que já existem mil moradias no local
Imagens obtidas pelo Google Earth Pro mostram a Vila dos Criadores em 2009, com apenas 250 habitações desconformes (HD), e em 2021, com 512HD. Prefeitura afirma que já existem mil moradias no local   Foto: reprodução/Google Earth

Há dois meses, a Justiça local adotou uma iniciativa inédita na região que busca dar fim à questão e fazer cumprir a sentença. Fernanda Menna, titular da 1ª Vara da Fazenda Pública de Santos, criou uma Câmara Judicial, instrumento previsto na lei e que busca estabelecer um plano de ação a partir de encontros e discussões envolvendo todas as partes, inclusive moradores da Vila dos Criadores.


Da câmara, fazem parte secretarias e conselhos municipais, Cohab, Defesa Civil, Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico, o Núcleo de Justiça Restaurativa do Judiciário e arquitetos e urbanistas das faculdades locais. “Depois de 20 anos da sentença proferida e sem uma solução até agora, foi preciso encontrar outros caminhos. É um balão de ensaio para tentarmos fazer uma governança pública o mais transparente e participativa possível”, afirma a juíza, que está em Santos há apenas um ano.


O primeiro encontro da Câmara ocorreu no final de janeiro e outros estão programados.


Inércia
No despacho que criou a Câmara, em novembro de 2021, a magistrada deixa registrados os motivos que levaram à adoção dessa medida: “Há um estado de coisas inconstitucional, caracterizado pela irresponsabilidade organizada no funcionamento da estrutura administrativa institucional vigente, que tem se mostrado, de forma patente, inerte, ineficiente, inefetiva à salvaguarda socioecológica, tanto da natureza quanto das famílias que residem em área de extremo risco, nada obstante ao já antigo comando jurisdicional vigente, descumprido”.


Frentes
O trabalho foi dividido em três frentes: social, ambiental e urbanística. Cada uma tem como lição de casa reunir e compartilhar informações que facilitem, ao final, a tomada de decisão. “Precisamos saber ao certo quais são os riscos a que essas famílias estão expostas. O grupo social vai trabalhar mais com a comunidade, conscientizando sobre esses riscos. Agora, há um elemento a mais, que é a necessidade de expansão do Porto, com todos os riscos tecnológicos que pode representar a presença de pessoas ali. É uma área ingrata para ser ocupada por pessoas”.


O primeiro encontro ocorreu no fim de janeiro. “Foi um encontro de apresentações. Todos puderam falar, se apresentar e expor as suas demandas”, diz. Os representantes da Vila dos Criadores acrescentaram um risco ao quadro já complexo: o acesso à vila, feito por um único caminho. “Se há um incêndio ou uma necessidade de esvaziar o local rapidamente, será uma tragédia”.


Imagens aéreas mostram casa com piscina entre as moradias irregulares da vila
Imagens aéreas mostram casa com piscina entre as moradias irregulares da vila   Foto: Fernando Camacho

A prefeitura
Em nota, a prefeitura de Santos diz que vai reforçar o monitoramento da área por meio da aquisição de novas tecnologias (mapeamento por satélite) e com apoio da Polícia Militar. “A Prefeitura já encaminhou para a Câmara projeto de lei que prevê a criação de Operação Delegada com apoio da Polícia Militar Ambiental, que poderá ampliar e dar apoio às ações da Guarda Civil Municipal visando o congelamento de áreas irregularmente ocupadas”.


A Prefeitura afirma também que, após a desativação do antigo lixão, a Companhia Ambiental do Estado (Cetesb) solicitou à Prefeitura a análise detalhada da qualidade do solo e da água no local.


“O trabalho, que é composto de várias fases, foi iniciado em 2002 e concluído neste ano. A análise de risco (última etapa) apontou risco para ingestão de água subterrânea (ou seja, sem risco às famílias que ocupam a área). O trabalho já foi entregue à Cetesb, que atualmente analisa os resultados, inclusive, com o apoio do Município”.


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