Idoso leva fé e alimentos para pessoas em situação de rua em Santos: 'Faça sol ou chuva'

Moyses Beznosai começou trabalho social após ver uma pessoa pegando restos de comida do lixo de um restaurante

Por: Ágata Luz  -  06/02/22  -  06:50
Atualizado em 06/02/22 - 19:22
População em situação de rua forma fila para receber doações
População em situação de rua forma fila para receber doações   Foto: Matheus Tagé/AT

Há quase 30 anos, a ajuda ao próximo faz parte da rotina diária de Moyses Beznosai, de 72 anos. Com apoio da mulher, Margareth Magalhães, esse morador de Santos arrecada alimentos e outras doações para, toda noite, entregar marmitas à população em situação de rua na Cidade. Além dos mantimentos, porém, o casal leva fé para que aqueles vistos como invisíveis pela sociedade acreditem em uma nova chance.


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“Não falamos especificamente de religião porque cada um tem a sua, mas a gente fala que Deus mora em nosso coração. A gente tenta fazê-los não brigarem e respeitarem as pessoas”, explica Moyses, que é comerciante no Embaré e em cujo estabelecimento, mantém uma placa com pedido de doações.


O idoso revela que começou a realizar trabalho social com moradores de rua há 28 anos, após ele e a primeira mulher — falecida em 2017 — começarem a frequentar um centro espírita. “Escutávamos as palestras que nos contavam, ouvíamos o que eles faziam (serviço social) e começamos a nos interessar.


Em 1994, o casal tinha uma loja e viajava de madrugada para comprar itens. “Antes de pegar a estrada, eu passava pela frente da minha loja para ver se não tinha sinal de arrombamento”, conta. Um dia, presenciou um episódio que o inspirou a ajudar pessoas necessitadas.


De acordo com Moyses, um restaurante na esquina de sua loja jogava as sobras de comida em um tambor do lado de fora do estabelecimento. “Vimos um morador de rua, com um cachorrinho do lado, pegando a comida de dentro. Ele colocava a mão em forma de concha, pegava aquele resto de comida, comia e também dava para o cachorrinho”, relembra.


Moyses começou a realizar trabalho social com moradores de rua há 28 anos
Moyses começou a realizar trabalho social com moradores de rua há 28 anos   Foto: Matheus Tagé/AT

A cena ficou na memória do comerciante que, no mesmo dia, com recursos próprios, começou a preparar sanduíches para distribuir a moradores de rua. “No centro, nós escutamos tanto o pessoal falar que dava lanche na rua que também começamos. Então, alguns começaram a fazer conosco”.


Pausa e retorno

Desde então, o trabalho não parou. Porém, as entregas tiveram uma pausa. “Minha esposa começou a ficar doente. Até 2012, 2013, a gente continuava a fazer esse trabalho. Depois, ela ficou muito ruim, e eu fiquei cuidando, até que, em 2017, ela desencarnou”, explica Moyses. No dia seguinte ao enterro, ele voltou com o trabalho social.


“Sempre fizemos sanduíches para levar para a população em situação de rua, que aumentava”, relata.


Recomeço

Moyses Beznosai relata que a pandemia proporcionou um recomeço ao trabalho. Em março de 2020, com o lockdown, ele foi convidado a integrar um grupo que entregava marmitas.


“A gente saía todo dia com uma escala grande de alimentação para o pessoal de rua. Em abril de 2021, formamos um grupo nosso. Então, todos os dias, faça sol ou faça chuva, saímos alimentando o pessoal de rua nas localidades com mais dificuldades em Santos”, explica Moyses, que passou a ter apoio direto da atual esposa, Margareth.


Moyses Beznosai relata que a pandemia proporcionou um recomeço ao trabalho
Moyses Beznosai relata que a pandemia proporcionou um recomeço ao trabalho   Foto: Matheus Tagé/AT

Atualmente, eles trabalham com a Fraternidade Espírita da Expansão Cristã. Apesar disso, o grupo, intitulado Amor em Movimento, é laico e tem participantes de diversas crenças. Eles entregam cerca de 90 marmitas ou lanches diariamente. “Não é religioso, mas é aberto a todas as religiões.”


Doações

Moyses conta que além de comida, também entrega roupas, cobertores, kits de higiene e ração para animais. As doações são arrecadadas no comércio do casal, na Rua Frei Vital, 216, no Embaré, ou na sede da Fraternidade, na Avenida. Afonso Pena, 176, no mesmo bairro.


“Eu coloquei uma placa na porta (do comércio) e outras pessoas do grupo deixam caixas em dois prédios para coletar roupas, utensílios e, principalmente, mantimentos”.


O grupo também recebe doações em dinheiro, para compra de embalagens para marmita, talheres, copos e, eventualmente, alguma mistura.


Os alimentos mais solicitados pelo grupo são arroz, feijão, macarrão e molho de tomate, “porque são os mais fáceis de fazer, essenciais para produzir as marmitas. Mas também pedimos latas de sardinha e atum, maionese e pães de forma para os sanduíches.”


Atuação

Segundo Moyses, o grupo passa por locais como túneis e viadutos. “Mas, quando não entregamos toda a comida, vamos para os bairros”, afirma, dizendo que 90% dos moradores de rua usam drogas e não têm contato com a família.


“A gente fala que Jesus veio para simplificar as leis de Moisés apresentando apenas duas: amar a Deus sobre todas as coisas e amar ao próximo como a si mesmo. Então, a gente se propõe a fazer a ponte com a família.”


No ano passado, o grupo retirou sete pessoas das ruas. Porém, apenas uma está totalmente recuperada. “Quatro voltaram para as ruas, e de duas não temos o paradeiro, mas os parentes dizem que estão bem.”


Para os voluntários, recuperar um é uma vitória. “É o trabalho que a gente faz, e não tem dia para parar.”


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