Era uma vez... Santos: santistas pegos de surpresa na primeira visita imperial

D. Pedro II, sua esposa, Tereza Cristina, e boa parte da corte chegaram na cidade sem aviso prévio

Por: Sergio Willians  -  13/02/22  -  13:11
Esta é a primeira de três reportagens sobre a visita que fizeram à Cidade
Esta é a primeira de três reportagens sobre a visita que fizeram à Cidade   Foto: A Tribuna

Santos, quarta-feira, 18 de fevereiro de 1846. Os habitantes da Cidade ocupavam-se há muito tempo dos preparativos para a recepção da corte e de suas majestades imperiais, dom Pedro II e dona Tereza Cristina. Era a primeira vez que os jovens monarcas brasileiros pisariam no solo santista (o imperador havia completado 20 anos em dezembro do ano anterior e sua esposa faria 24 em abril). Programas escritos corriam de mão em mão, combinações de boca em boca se trocavam, homens e senhoras, meninos e meninas sabiam de cor e salteado o papel que lhes cabia representar. Em uma palavra, todos se afigurariam em seus postos no momento da ação. A população, assim, ensaiava firme naquela tarde de quarta-feira, quando, de repente, foi absolutamente surpreendida. Na boca de saída do canal do estuário, nas proximidades da bateria militar de Itapema, eis que surgia a barca Imperatriz, serenando-se orgulhosa ao sibilo do estandarte imperial desenrolado no topo de seu mastro de proa. E, sem a menor cerimônia, lançava ferros diante da população, que não fazia a menor ideia de como pôde ser pega “com as calças nas mãos”, mesmo a despeito das cautelas tomadas para estar sobreavisada!


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Uma invasão inimiga não poria os santistas mais atordoados. Em segundos, a praia cobriu-se do povo mais simples, enquanto os abastados corriam às suas casas para, ao menos, porem-se em trajes de aparecer. Nessa transloucada corrida para não se constranger diante de suas majestades, estes ferviam pragas contra o desatento telégrafo (que ficava no Monte Serrat) e até contra a desleixada Fortaleza da Barra Grande, que, mesmo tão bem colocada como se achava, como não vira dirigir-se à barra o grande navio com bandeira nacional e estandarte do imperador? Dizem que não há pior cegueira do que aquela que não se quer ver: a fortaleza parecia estar abandonada. E foi somente quando a barca imperial quase roçou as solitárias peças de artilharia que se fez ouvir rouca voz transmitida por longa buzina perguntando: “Afinal, que embarcação era aquela?” O chefe de esquadra, do alto da roda de estibordo, respondeu mostrando o estandarte imperial para os soldados, que, às carreiras, e já tendo a barca se perdendo de vista na volta do rio, foram correndo hastear a bandeira do império e providenciar as salvas de tiros, que só foram ouvidos na Cidade quando a Imperatriz já era recepcionada em solo santista.


Às 5 horas da tarde, dom Pedro II mandou declarar que desceria à terra imediatamente, e a embarcação imperial atracou no cais previamente preparado para o desembarque, ao lado da Fortaleza de Nossa Senhora do Monte Serrat (região da atual Alfândega).


Para a sorte dos santistas, naquele momento, fazia exercício a guarda nacional, e, sem tempo para mais providências, os soldados tomaram a posição que lhes estava assinalada, desfilando em alas do cais até à porta da matriz, que não ficava muito longe de lá.


Pelo programa oficial, o presidente da província, Manoel da Fonseca Lima e Silva, deveria ser o primeiro a ir ao encontro de suas majestades e receber as ordens para o desembarque. Porém, não tendo recebido aviso na Capital sobre a chegada da corte, nem ele, nem a deputação da Assembleia Provincial se achavam em Santos. Assim, acabou ficando para as autoridades santistas presentes executarem do programa o que fosse humanamente possível. O presidente da província só chegaria a Santos dois dias depois.


Imprevisto com o barco

A confusão e o constrangimento resultantes da inesperada chegada de suas majestades a Santos, de forma súbita naquela tarde de quarta-feira, 18 de fevereiro de 1846, ocorreram pelo acaso do destino. O vapor Imperador, responsável por avisar com antecedência os portos por onde dom Pedro II iria passar, havia falhado em sua missão, porque se identificara problema nas caldeiras da embarcação, o que os obrigou a parar no caminho. O navio havia partido de Desterro (atual Florianópolis) às 8 horas do dia 16, com a missão de dar o aviso da vinda de suas majestades a Santos. Para resolver a questão, foi necessário esgotar as caldeiras e deixá-las esfriar. Só na madrugada do dia seguinte é que se veio a descobrir fenda de cerca de um palmo e meio no maquinário, sendo necessário emplastá-lo com chapas de ferro. Por causa disso, a embarcação Imperatriz, que levava os monarcas e boa parte da corte, acabou ultrapassando o Imperado e chegou primeiro a Santos, surpreendendo a todos.


Uma cidade encantada

Após a descida à terra, dom Pedro II e Tereza Cristina caminharam pelas ruas da região dos quartéis e foram recebidos pelo povo santista com grande entusiasmo. Os monarcas ficaram hospedados na casa do comandante da praça, situada nas proximidades da Igreja Matriz (hoje ocupada pela Praça Antônio Telles), onde ocorreu um Te-Deum(hino cristão utilizado na liturgia católica).


O povo derramou-se pela Cidade a gozar das iluminações especialmente montadas para a ocasião. A praça do palácio cobriu-se, em vários momentos, de grupos de ambos os sexos, sôfregos por verem o monarca e a sua esposa. Até que veio a chuva, que havia dois meses que visitava diariamente a Cidade, mas que naquele dia havia dado um pouco de trégua, como que para anunciar o prazer que iam ter os santistas.


O pouco tempo decorrido entre a chegada e o desembarque de suas majestades não permitiu que se apresentassem todas as meninas destinadas a representarem as cidades e vilas da província, e por isso só estiveram presentes 32 delas, das quais duas dirigiram alocuções ao imperador e à imperatriz, entregando-lhes ramos de flores em nome de suas comprovincianas. Entre elas havia uma de pouco mais de 3 anos, a quem com admiração ouviram repetir com ênfase o discurso que a sua companheira dirigiu ao imperador.


No dia seguinte, os monarcas desfilaram pelas ruas da Cidade, acompanhados de grande número de pessoas e precedidos de uma banda de música. A maior parte das janelas das casas estava adornada de colchas de damasco e sedas e, delas, caíam flores sobre os passeadores. O povo saudava-os em sua passagem com entusiásticos vivas, fazendo subir ao ar sucessivas girândolas de foguetes.


O imperador e a imperatriz correspondiam do modo mais prazenteiro às demonstrações de regozijo público, cortejando as senhoras e os homens que estavam nas janelas.


Enquanto essa confraternização acontecia, enfim, aportava no cais o vapor Imperador, o responsável por fazer com que os santistas, em seu debute de relação com o imperador da nação brasileira, fossem os únicos a recepcioná-los de maneira totalmente improvisada, apesar de todos os ensaios realizados pela população para se sair bem naquela recepção.


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