Diretor da Unesco fala sobre evento em Santos: "Economia criativa é a fórmula contra o desemprego"

Ernesto Ottone confirma que conferência terá participantes de mais de 100 cidades de 50 países a partir de segunda

Por: Marcelo Luís e Bruno RIos  -  17/07/22  -  22:00
Atualizado em 18/07/22 - 11:18
Para Ernesto Ottone, da Unesco,
Para Ernesto Ottone, da Unesco, "indústrias culturais e criativas são o coração pulsante da economia criativa"   Foto: Natalia Espina/CNCA

Santos receberá a partir desta segunda-feira (18) a 14ª Conferência Anual da Rede de Cidades Criativas da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Participantes de mais de 100 cidades de 50 países já confirmaram presença no evento, que visa a troca de experiências e informações sobre economia criativa, cultura e criatividade. Em entrevista para A Tribuna, o diretor-geral adjunto de Cultura da Unesco, Ernesto Ottone, falou sobre a importância da conferência, que ocorre pela primeira vez na América Latina, e o que será debatido em terras santistas.


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Quais as expectativas para este encontro em Santos?

Sob o tema Criatividade, Caminho para a Igualdade, a conferência deste ano mostrará o compromisso da Unesco e de Santos em lidar com os impactos da regeneração urbana por meio da cultura e da criatividade, além de fortalecer sociedades inclusivas e sustentáveis para todos. Santos desenvolveu dez Vilas Criativas em bairros vulneráveis e forneceu, a mais de 3.200 estudantes, locais para cursos de qualificação gratuitos, atividades culturais e recreativas em 2021. Há um esforço da cidade para alavancar a cultura, visando o desenvolvimento urbano inclusivo. Ao longo da semana, os delegados das cidades criativas da Unesco terão a oportunidade de fazer intercâmbio de boas práticas e desenvolver projetos colaborativos significativos, além de participar de discussões sobre o tema.


Qual a importância da cultura e da criatividade para a construção de comunidades inclusivas e igualitárias?

A contribuição econômica e social dos setores culturais e criativos para o desenvolvimento sustentável é cada vez mais reconhecida e destacada mundialmente, e seu impacto é especialmente relevante nas cidades, onde vive a maioria da população global. As indústrias culturais e criativas são o coração pulsante da economia criativa. Do artesanato e artes populares, cinema e design à gastronomia, literatura e música, esses campos criativos podem estimular a vitalidade econômica nas cidades e reforçar a inclusão e a diversidade de expressões culturais como meio de enfrentar desafios emergentes. Têm impacto único e transformador nos municípios, por meio de sua capacidade de melhorar a qualidade de vida e as comodidades urbanas, como na geração de empregos que incluam mulheres, jovens e outros grupos marginalizados.


Como a Unesco lida com a desigualdade nos setores cultural e criativo?

Algumas delas foram profundamente acentuadas pela covid-19. Enquanto a cultura e o entretenimento estão entre os setores com as maiores taxas de emprego de mulheres em nível global (48,1% em 2019), as mulheres nas indústrias criativas estão longe de receber os mesmos direitos, apoio financeiro, oportunidades de carreira e reconhecimento profissional. As cidades também precisam repensar como construir um ambiente de trabalho sustentável e inclusivo a artistas e profissionais culturais que desempenham um papel vital para a sociedade. A urgência de mudanças políticas precisa ser destacada, não apenas para engajar todos os segmentos de nossa sociedade e comunidade com base na igualdade, mas também para garantir proteção econômica e social para artistas e profissionais da cultura, salvaguardando a diversidade de expressões culturais.


Como as cidades podem desenvolver, apoiar e impulsionar a economia criativa, respeitando suas características e particularidades?

Criada em 2004, a Rede de Cidades Criativas da Unesco reúne quase 300 cidades em cerca de 90 países, com foco em sete áreas criativas, que identificaram a cultura e a criatividade como motores estratégicos para o desenvolvimento sustentável. As cidades pelo mundo formam um conjunto heterogêneo. O funciona para um município pode não se aplicar a outro. No entanto, projetos inovadores em todas as regiões podem ser compartilhados entre as cidades e replicados – o que faz parte do sucesso da nossa rede. Cidades no Brasil e no mundo podem aproveitar o potencial das artes, cultura e criatividade para impulsionar a economia criativa, criar empregos e reduzir a desigualdade.


Os gestores públicos, em geral, têm sido receptivos a esse conceito?

É importante ter dados para convencer os tomadores de decisão a apoiarem o planejamento de políticas no setor. Um estudo, considerado o mais abrangente no mundo sobre políticas e tendências nos setores culturais e criativos, foi realizado pela Unesco por quatro anos e publicado em 2022, ajudando a fornecer dados e recomendações importantes para que todas as partes – governo, setores público e privado e sociedade civil – se beneficiem. Cultura e criatividade respondem por 3,1% do PIB global. As exportações de bens e serviços culturais dobraram de valor a partir de 2005, atingindo US$ 389,1 bilhões em 2019. Um projeto piloto vem sendo implementado na província de Gansu, na China, para integrar ativos culturais e criativos ao desenvolvimento local, alavancando a cultura e a criatividade para ganhos econômicos, sociais, culturais e ambientais.


No conceito de economia criativa, o que é mais importante: criatividade para desenvolver tecnologia ou vice-versa?

Ambos são importantes. Você não pode desenvolver tecnologia sem criatividade, imaginação e inovação. A criatividade é um recurso renovável, sustentável e ilimitado que podemos encontrar em qualquer lugar do mundo. Hoje, mais e mais pessoas estão transformando suas ideias e imaginação em meios de subsistência. Da mesma forma, vemos como a tecnologia transforma os setores culturais e criativos. Por exemplo, mais artistas estão produzindo conteúdo digital e alcançando o público on-line, e mais filmes e músicas estão sendo consumidos on-line. Em 2020, 62,1% do total da receita global de música gravada veio do streaming. Devemos tomar ações concretas no campo da economia criativa e do desenvolvimento sustentável, prestando atenção não só às oportunidades que a transição digital apresenta, mas também às crescentes divisões que se seguem.


Santos e a Baixada Santista também são conhecidos por seus atrativos turísticos. Como aplicar o conceito de economia criativa nesse segmento?

Há uma grande oportunidade para Santos e a Baixada integrarem sua economia criativa ao setor de turismo. Embora o setor de turismo tenha sido duramente atingido pela covid-19, está se recuperando gradualmente, mudando e se adaptando. O turismo pode desempenhar um papel importante no apoio ao crescimento das indústrias culturais e criativas. Ao apoiar empreendedores locais, fortalecer clusters criativos e investir em novas tecnologias e mídias digitais, as cidades aumentam o apelo como destinos, tanto em âmbito doméstico quanto internacional. Em todo o mundo, os visitantes exigem cada vez mais experiências culturais ricas e significativas quando exploram um destino – eles querem conhecer um lugar sob a perspectiva de seu povo.


Há exemplos de políticas eficazes que unam criatividade e turismo?

Há exemplos excelentes, como Melbourne, na Austrália, cujo projeto Creative Laneways visava revitalizar 40 ruas históricas da cidade com o trabalho de 80 artistas por meio de música, iluminação e instalações criativas. O projeto impulsionou a vitalidade do centro urbano, apoiou o comércio local e o turismo, e melhorou os equipamentos públicos e a segurança.


A economia criativa é uma das formas de combater o desemprego?

Sem dúvida, a economia criativa é fundamental para combater o desemprego. Os setores de cultura e criatividade representam 6,2% de todo o emprego e são os principais empregadores de jovens e mulheres. No entanto, a Unesco estima que 10 milhões de empregos foram perdidos nas indústrias criativas, só em 2020, por causa da pandemia. Além disso, vimos uma diminuição geral no financiamento público do setor cultural desde 2008 em todo o mundo. O declínio dos gastos públicos em todo o mundo nas indústrias culturais e criativas levou a um colapso sem precedentes na renda e no emprego no setor cultural. Precisamos que os governos melhorem a proteção trabalhista de artistas e profissionais da cultura, fortalecendo a solidariedade e investindo ainda mais no setor. A cultura e os setores criativos podem e de fato trazem benefícios econômicos – estabilidade, desenvolvimento e empregos –, mas precisam de financiamento público e apoio.


O que as cidades precisam fazer para se tornarem cada vez mais inclusivas e igualitárias?

É essencial reconhecer o potencial do setor cultural para impulsionar a transformação e recuperação da sociedade em todos os objetivos de desenvolvimento e apoiar abordagens integradas para reavivar o setor cultural. As áreas urbanas podem servir como terreno fértil para o desenvolvimento de soluções inovadoras e práticas para lidar com marginalização, desigualdade e exclusão, seja com base em gênero, contexto socioeconômico, deficiência, idade etc. A Unesco está empenhada em dar voz e advogar em nome de indivíduos e comunidades vulneráveis ou marginalizadas, garantindo e promovendo suas expressões criativas sob diversas formas, além de oferecer plataformas de diálogo.


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