BNH: Três letras, 50 anos e milhares de histórias em Santos

Conjunto Habitacional é marco na moradia popular na cidade, e mantém algumas tradições

Por: Rosana Rife  -  21/08/21  -  07:25
 São 3.288 apartamentos, distribuídos em 12 condomínios
São 3.288 apartamentos, distribuídos em 12 condomínios   Foto: Matheus Tagé/AT

Em 1971, o Brasil vivia o chamado milagre econômico, impulsionado pelo forte crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e investimentos em políticas públicas, como a casa própria. Foi nesse cenário que a sigla BNH (Banco Nacional de Habitação) ganhou as ruas e caiu na boca do povo. O banco financiava empreendimentos imobiliários, em especial voltados à população de baixa renda, e em Santos virou sinônimo do Conjunto Habitacional Marechal Humberto de Alencar Castello Branco, no Bairro Aparecida, que completa hoje 50 anos de muitas histórias.


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São 3.288 apartamentos, distribuídos em 12 condomínios, que receberam nomes de países da América do Sul, como Colômbia, Chile e Equador. O conjunto é cercado pelas ruas Alexandre Martins, Jurubatuba, Pirajá da Silva e Vergueiro Steidel.


Antes da construção, a área era ocupada por cinco famílias de imigrantes japoneses que moravam em chácaras. Elas foram indenizadas e saíram do local. Dessa forma, em 1967, as obras do conjunto tiveram início.


 Jorge Vitor, Ary Lopes e Vilma da Silva
Jorge Vitor, Ary Lopes e Vilma da Silva   Foto: Matheus Tagé/AT

Moradores

Cinco décadas depois, ainda é possível encontrar os primeiros moradores do local, como Jorge Vitor dos Santos, o Jorginho, ex-jogador da Portuguesa Santista na década de 1980. Hoje com 58 anos, ele conta que chegou ainda criança ao BNH, quando o pai decidiu se mudar com a família toda para o empreendimento, novinho em folha. “Era mais perto do trabalho dele. Tudo estava novinho, mas o chão era de terra. Não tinha asfalto, e a iluminação na rua era precária.”


Os apartamentos de dois ou três dormitórios foram entregues sem muito acabamento. “Cada um fazia a reforma a seu gosto”, diz Jorginho. Mas, no meio do conjunto, havia duas quadras de esportes, que viraram grandes conhecidas do ex-atleta. Foram nelas que ele desenvolveu a habilidade e o gosto pelo futebol. Sem contar que, nos arredores, sobravam campos de futebol — o Praiamar Shopping e o Conjunto Habitacional Martins Fontes, o vizinho Jaú, não existiam.


“Tínhamos uns dez ou 12 campos. Era a diversão da criançada, com campeonatos e cada time levando o nome do seu condomínio”. De mera diversão, o futebol começou a ficar sério na vida de Jorginho, que passou a integrar o Botafogo do BNH, entre 16 e 17 anos. Em seguida, foi ponta-direita da Briosa nos anos 80. Ainda houve tempo para se aventurar no Chile, no Coquimbo Unido.


Mesmo depois de pendurar as chuteiras, o fato é o que o esporte acompanha a vida de Jorginho até hoje, a exemplo do BNH, de tantas lembranças. “Os apartamentos se valorizaram com a chegada do shopping. Aqui é perto de tudo. Hoje, está tudo diferente, mas ainda é sossegado. A gente conhece todo mundo e ainda bate à porta do vizinho quando precisa de algo. A comunidade é bem unida.”


O aposentado Ary Lopes, de 91 anos, mudou-se um ano depois da inauguração dos prédios, quando tinha 42. Ele deixou o Marapé em 1972 e financiou um apartamento para garantir que os filhos tivessem uma casa perto da escola deles. “A vida sempre foi boa aqui. Meus filhos cresceram no BNH. Hoje são adultos, tenho netos, e não penso em sair. A gente se acostuma e também conhece todo mundo. Isso é muito bom.”


Transformações


Da janela da sala, no Condomínio Argentina, a pensionista Vilma da Silva Pereira, de 82 anos, acompanhou todas as transformações pelas quais o conjunto passou ao longo dos últimos 50 anos.


Ela deixou uma casa alugada, no Estuário, para ir ao imóvel próprio. Financiado, sim, mas da família, o que era o maior orgulho na época. “Era tudo terra aqui em volta. O bonde 29 passava na Rua Vergueiro Steidel. Existia só uma vendinha, e o pão e o leite eram comprados na porta do prédio.”


Quando ela se mudou, apenas dois dos oito apartamentos tinham moradores. Dessa forma, a amizade com a vizinhança foi algo natural. Afinal, os fihos e netos dela nasceram no BNH. “Até hoje, se chego com uma sacola do supermercado na mão, já vem alguém ajudar”, destaca.


Vilma também faz parte da história do conjunto habitacional. Ela é irmã de Tia Isaurinha, um dos grandes nomes do Carnaval santista e integrante da escola de samba Brasil — agremiação fundada por Carminda de Jesus em 1949 e que ganhou até título na Capital, em 1954. “A escola era do Estuário. Depois, veio para cá. Já saí em todas as alas e vi minha casa virar oficina. A gente virava a noite costurando fantasias. Às vezes, dormia por 15 minutos, e o resto era na máquina (de costura). Depois, era um orgulho ver as fantasias na avenida. O samba e a escola são minha vida”, recorda.


 Marianna Costa coordena a iniciativa no conjunto: “Oportunidades”
Marianna Costa coordena a iniciativa no conjunto: “Oportunidades”   Foto: Matheus Tagé/AT

Projeto entretém crianças e adolescentes

O projeto Minha Comunidade foi idealizado pelo morador Alex Tadeu. Surgiu em julho de 2007, para entreter crianças e adolescentes do bairro, com atividades esportivas e culturais realizadas no período noturno. É organizado em parceria com o Município.


“Temos uma média de 300 crianças e adolescentes participando do projeto. Até os familiares fazem parte”, explica a coordenadora do projeto na comunidade do BNH, Marianna Costa.


As atividades ocorrem na Unidade Municipal de Ensino (UME) Andradas 2, conta o idealizador da proposta. “Todas as cidades têm problemas sociais e, pelo esporte e pela formação do cidadão, a gente procura auxiliar todas essas famílias.”


Entre as opções oferecidas, há pilates, dança de rua, balé, futsal e capoeira. “Acredito que houve um crescimento cultural e oportunidades para todos nesse tempo. Foi uma forma de as crianças e jovens não estarem na rua no período em que não estão na escola e proporciona um aprendizado”, diz Marianna.


“Ao longo destes 14 anos, o projeto é uma realização não só no Aparecida, mas na Cidade. Temos nove núcleos espalhados em Santos”, acrescenta Alex.


Quem quiser se inscrever no projeto pode ir ao Colégio Andradas (Rua Almirante Ernesto de Mello Júnior, 130), a partir das 18 horas.


FOTO - Programa levou pobres à casa própria, mas faliu


 Programa levou pobres à casa própria, mas faliu
Programa levou pobres à casa própria, mas faliu   Foto: Matheus Tagé/AT

Saiba mais

O economista e professor universitário Jorge Manuel de Souza Ferreira descreve que o surgimento do Banco Nacional da Habitação, que proporcionou a possibilidade de construção do conjunto — que ficou conhecido pela sigla BNH —, foi uma das molas propulsoras para uma política de habitação destinada para toda a sociedade. Contribuiu muito para as parcelas de renda mais baixa e teve importância histórica.


“Ele (o BNH) possibilitou que muitas pessoas adquirissem sua casa própria. Mas o problema é que o mutuário pagava o financiamento pelo prazo em contrato, e não pelo esgotamento da dívida. Por isso que ele faliu”, relata Ferreira.


A também economista e professora universitária Viviam Ester de Souza comentou a relevância do empreendimento para a comunidade e para o Município.


“O conjunto acolheu, especialmente, pessoas que trabalhavam na região portuária de Santos. Ou seja, o crescimento da Cidade de Santos se deu em conjunto com a expansão do comércio internacional pelo Porto e pela participação dos moradores do BNH da Aparecida”, contextualiza.


Consolidação


O prefeito Rogério Santos (PSDB) também destaca a importância do plano nacional de moradia naquele momento histórico e a construção do BNH. “É um marco na história da habitação, que teve importante participação dos trabalhadores portuários para sua consolidação. Uma ação pioneira, no bairro que se tornou o mais populoso de Santos. Constitui, até hoje, um dos principais núcleos habitacionais da Cidade. Uma iniciativa essencial para a produção de unidades habitacionais, que não teve sequência, no mesmo ritmo, do Banco Nacional da Habitação.”


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