Ex-vendedor vira barbeiro de sucesso em Praia Grande ao levar 'arte' da trança nagô ao freestyle

Após se frustrar com vendas, Buri virou especialista em cortes "mirabolantes" e se diz realizado com nova profissão

Por: Raphaella Santucci  -  23/03/22  -  07:55
Atualizado em 23/03/22 - 08:08
O barbeiro Vinícius Buri se diz 'apaixonado' pela arte de cortar cabelos
O barbeiro Vinícius Buri se diz 'apaixonado' pela arte de cortar cabelos   Foto: Arquivo pessoal

O estilo visual é uma coisa relativa, pessoal e delicada. Quando se trata de aparência capilar, a vaidade e o desejo de cuidado abrange todas as faixas etárias, principalmente os mais novos. A autoestima é uma questão sensível para muitas pessoas e os agentes da beleza estão aí justamente para tentar trazer o amor próprio a esses grupos - pelo menos por um momento.


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Vinícius Buri, de 37 anos, morador de Praia Grande, é uma das pessoas da Baixada Santista que trabalha com a estética de diversos cidadãos. Barbeiro desde 2018, o rapaz se viu apaixonado pela profissão em um momento inusitado. Para a Reportagem de A Tribuna, ele contou que sua trajetória profissional começou com vendas, mas que nunca se sentiu totalmente atraído pela área.


Buri chegou a ser gerente comercial de uma loja popular, mas afirma que a insatisfação tomava conta de si. "Em meu último emprego, como vendedor, eu vendia móveis. Vi que aquilo não era para mim, mas precisava continuar pelo sustento da minha família. O salário era muito bom", relata.


Ao ser chamado para ser padrinho do casamento de um casal amigo, ele vivenciou a 'tarde do noivo' dentro de uma barbearia, em São Paulo. Vinícius conta que se apaixonou pelo que presenciou no estabelecimento e questionou o barbeiro sobre o que teria que fazer para ingressar na profissão.


Após ser instruído, o rapaz se dedicou a cursos e palestras para tentar se integrar à nova paixão. Ele conta que, nas aulas, aprendeu o básico da barbearia. Depois de receber o diploma, ele conseguiu um emprego dentro de um salão de beleza feminino, que, na época, estava começando a oferecer cortes masculinos.


Em meio a isso, Buri assistiu a um workshop e conheceu diversos barbeiros renomados da região. Ao ser apresentado a vários estilos, ele se identificou com o 'freestyle' que, segundo Vinícius, são os 'desenhos mirabolantes na cabeça do pessoal'.


O estilo 'freestyle' é o que Vinícius mais gosta de fazer
O estilo 'freestyle' é o que Vinícius mais gosta de fazer   Foto: Arquivo pessoal

Neste momento, o rapaz se viu com muita dificuldade para aprender a modalidade. "Vi que era muito além do que eu sabia fazer. Eu só conseguia reproduzir cortes básicos. Procurei quem poderia me ajudar a chegar no lugar que eu queria. Tive muito medo, mas corri atrás", relembra.


Hoje em dia, Vinícius é referência na barbearia. Segundo o rapaz, ele veio 'do nada' e agora consegue se sustentar apenas com o que mais ama fazer, tendo uma renda que vem de seu próprio salão, localizado no bairro Anhanguera, em Praia Grande.


"Minha primeira maior realização foi conseguir me identificar com algo que eu nunca imaginei fazer. Depois, foi adquirir minha casa própria a partir da minha barbearia. Hoje, minha família me olha como um profissional de verdade", diz, emocionado.


Muito além da estética

Buri relata que se sente 'privilegiado' por saber que a aceitação do trabalho de sua equipe é grande. Ele afirma que um barbeiro não é apenas quem cuida da estética de uma pessoa, mas um ouvinte, conselheiro, e, principalmente, um amigo.

"Muitas vezes o cliente teve um dia exaustivo de trabalho e não tem disposição para ir até a barbearia. Tudo que ele precisa são 40 minutos sentado em uma cadeira com um bom papo, um bom corte de cabelo e um amigo para dar risadas. Isso muda a situação de um indivíduo".


O rapaz diz ainda que o ato de ir até a barbearia relaxa os fregueses. Nas palavras de Vinícius, se um cliente chega ao salão com um problema a ser resolvido, aquele é o momento para que a mente esfrie e tenha um descanso merecido para conseguir solucionar seus dilemas.


A mistura de tranças com freestyle é um dos diferenciais do trabalho de Buri
A mistura de tranças com freestyle é um dos diferenciais do trabalho de Buri   Foto: Arquivo pessoal

Influências da cultura negra

Vinícius comenta que a barbearia nacional sofreu muitas influências dos Estados Unidos, tanto em tipos de cortes quanto em nomenclaturas. Porém, atualmente, a barbearia brasileira está sendo reconhecida e levada para outros países.


Defensor do movimento 'poder ao povo preto', Buri aponta que a cultura negra é extremamente forte na profissão, o que potencializa estilos específicos e os espalha para o mundo. Como exemplos de cortes com 'choque de culturas', ele cita, principalmente, as 'conexões', que são cortes com trança nagô junto com o freestyle.


"Eles se conectam de uma forma tão grande, que as pessoas se comunicam através desse estilo. Eles se reconhecem e se identificam pelo cabelo"


As tranças nagôs são consideradas como símbolo de resistência para a comunidade negra. Durante a escravidão, os penteados trançados eram feitos no intuito de identificação de tribos pertencentes. Além disso, os escravos também desenhavam rotas de fugas e armazenavam arroz entre os cabelos para alimentação básica.


"Nós, barbeiros, temos a liberdade de trabalhar com todos os públicos. Isso me permite mostrar minha arte, minhas raízes e minha forma de empoderamento para uma gama enorme de pessoas", conta.


À esquerda, o símbolo da resistência negra desenhado pelo profissional
À esquerda, o símbolo da resistência negra desenhado pelo profissional   Foto: Arquivo pessoal

'Dar o meu melhor'

O profissional afirma que a barbearia mudou totalmente sua vida. Segundo o rapaz, hoje em dia ele consegue trabalhar com uma enorme satisfação e felicidade. Ele salienta que, atualmente, consegue chegar em seu ambiente de trabalho e dar seu melhor.


"É muito legal saber que hoje, sendo barbeiro há quatro anos, consegui mudar a vida de várias pessoas". Além de cortar cabelos, Vinícius Buri atua também como educador em seu salão de beleza e mantém um projeto, junto de sua equipe e outros barbeiros da Baixada Santista, que ajuda ONGs da região e moradores em situação de rua, cortando o cabelo deles e gerando sorrisos.


Ele conclui dizendo que, antigamente, não conseguia se dedicar ao próximo dessa forma. Hoje, ele trabalha levando autoestima, amor, afeto e alegria para todos que adentraram sua barbearia. "Me considero um homem realizado', conclui.


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