Vamos falar sobre eles?

Dados, entrevistas, depoimentos e artigos que descortinam um universo do qual só se fala nas páginas de Polícia

Por: Arminda Augusto  -  03/10/21  -  13:54
 Trabalho joga luz nas vulnerabilidades sociais que envolvem os adolescentes internados
Trabalho joga luz nas vulnerabilidades sociais que envolvem os adolescentes internados   Foto: Vanessa Rodrigues

De tempos em tempos a comunidade é acordada aos sobressaltos com mais um crime ou ato de violência envolvendo a participação de um menor de 18 anos: “Adolescente de 13 anos participa de roubo a banco”, “Menor confessa ter matado neto de Luciano do Valle”, “Morte de médico teve parceria de adolescente”. O Google nos diz que são milhares as páginas em que a palavra “adolescente infrator” aparece em matérias de jornal, sites e TV.


Quando vêm, viram pauta para a discussão sobre a redução da maioridade penal, sobre o excesso de direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente e sobre eventual ineficiência das medidas socioeducativas.


Este caderno é um convite à reflexão, quatro anos depois da primeira edição, em setembro de 2017. Fizemos novamente o caminho de volta, tentando radiografar a trajetória percorrida pelos adolescentes antes de serem internados nas unidades da Fundação Casa da Baixada Santista. Quem são eles? Que idade têm? Com quem vivem? Estavam estudando? Sabiam ler e escrever? Têm irmãos? Na família tem outras pessoas em conflito com a lei? Por que estão ali? O que vão fazer quando saírem?


Não, não é sobre ‘passar a mão’ na cabeça e ‘coitadizar’ quem matou, roubou, traficou ou furtou. É sobre entender como chegaram até aqui, se havia cenário de vida familiar e social próprio para uma criança ou adolescente, se os demais capítulos do ECA foram assegurados e, enfim, saber o que mudou nas políticas públicas de 2017 para cá.


Entender como vivem, o que pensam, o que fazem, quem ou o que os seduz é o primeiro passo para corrigir as falhas. Reduzir a maioridade penal pode, sim, ser uma resposta à sociedade que exige medidas mais duras contra quem atenta à vida, mas não eliminará as deficiências, as falhas e ausências de políticas públicas nas regiões mais carentes, onde crianças e adolescentes vulneráveis são presas fáceis para todo tipo de delito.


Neste trabalho, o Instituto de Pesquisas A Tribuna (IPAT) aplicou um questionário com 58 perguntas à quase totalidade dos internos nas seis unidades da Fundação Casa da região: São Vicente, Praia Grande (duas), Guarujá, Mongaguá e Peruíbe. Foram 245 jovens, ou 89,4% do total. Quase um censo.


Tão surpreendente quanto ouvi-los dizer com certa naturalidade que roubam e traficam para ‘comprar coisas’ é constatar que quatro em cada dez estavam fora da escola, que quase a metade deles jamais leu um livro, que 67% têm exemplos na família de pessoas envolvidas com o crime.


Não, definitivamente, não é sobre ‘passar a mão na cabeça’. Este trabalho se propõe a apontar, em números, depoimentos e entrevistas, onde estão as vulnerabilidades sociais. Cada setor da sociedade tem sua parte na tarefa de corrigi-las. Não falar sobre elas é apenas fingir que não existem.


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