Uma homenagem centenária a Bartolomeu de Gusmão

Monumento dedicado ao santista que ganhou fama internacional é referência na Praça Rui Barbosa

Por: Sergio Willians  -  07/08/22  -  09:34
Mais de mil pessoas se reuniram no Largo do Rosário para celebrar a inauguração do monumento dedicado ao padre voador
Mais de mil pessoas se reuniram no Largo do Rosário para celebrar a inauguração do monumento dedicado ao padre voador   Foto: Reprodução

Santos, 7 de setembro de 1922, 16 horas. A cidade estava em absoluto júbilo, em razão das comemorações pelo primeiro centenário da Independência do Brasil. Desde as primeiras horas da manhã daquela quinta-feira histórica, os santistas celebravam com todo vigor e entusiasmo a data máxima da nacionalidade, obedecendo um roteiro de cerimônias jamais visto na terra de José Bonifácio de Andrada e Silva, o grande homenageado do dia. A Cidade havia realizado uma missa campal, logo pela manhã, e recepcionado o presidente do Estado de São Paulo, Washington Luís, que viera da Capital especialmente para as comemorações.


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A partir das 14 horas, foi iniciada uma série de inaugurações, começando pelo majestoso monumento em louvor aos irmãos Andradas, instalado na novíssima Praça Independência, no Gonzaga. Na sequência, as autoridades do Estado abriam pela primeira vez as portas do imponente prédio da Bolsa Oficial de Café. Uma hora depois, na reta final da tarde, foi a vez de descortinar aos santistas e brasileiros um outro monumento de valor e relevância históricos, que glorificava de forma justa o inigualável padre santista Bartolomeu Lourenço de Gusmão, o precursor da navegação aérea mundial. A festa não poderia ser mais digna e significante, honrando sua memória.


O local escolhido para abrigar o conjunto escultórico produzido brilhantemente pelo italiano Lorenzo Massa (o mesmo que havia construído o monumento de Braz Cubas, inaugurado em 26 de janeiro de 1908) foi o Largo do Rosário (atual Praça Rui Barbosa). Ali, naquele espaço nobre da Cidade, as mais de mil pessoas que se aglomeravam em seu entorno festejavam a grande conquista, sem imaginar o périplo que foi erguer o monumento do padre voador, uma jornada que se iniciou 15 anos antes.


Obra de instalação do monumento ao padre Bartolomeu de Gusmão
Obra de instalação do monumento ao padre Bartolomeu de Gusmão   Foto: Acervo/ Fams

A origem
A história do monumento em homenagem a Bartolomeu de Gusmão nasceu durante a sessão da Câmara Municipal de Santos de 8 de maio de 1907, indicado pelo vereador Estácio Corrêa, que encaminhou um termo pleiteando a homenagem. Aprovado pelas Comissões Reunidas, seu colega, o comendador João Manuel Alfaya Rodrigues, que já vinha trabalhando pela confecção de outra estátua, dedicada ao fundador de Santos, Braz Cubas, resolveu arregaçar as mangas e viabilizar também o monumento do padre voador.


No final daquele ano, Alfaya aproveitou uma de suas idas à Itália, onde tratava com o escultor genovês Lorenzo Massa sobre o monumento de Cubas, para lhe comunicar sobre a nova e futura demanda. Massa era o artista ideal para a obra. Era um dos escultores mais reputados da Itália, tendo peças espalhadas em seu próprio país, na Inglaterra e na Argentina. Para completar, o genovês era ainda mestre da Academia de Belas Artes da Itália. Só que por falta de recursos, as coisas esfriaram e o projeto Bartolomeu foi colocado na gaveta.


Glorificação mundial
Em 1912, o nome de Bartolomeu de Gusmão voltou a correr de boca em boca no Velho Mundo. A aviação era pauta, havia alguns anos, das principais rodas científicas e o nome do padre voador era consenso quando se tratava de apontar o homem que pensou primeiro no sentido da navegabilidade aérea e inventar algo que provasse tal possibilidade.


Em Paris, a então capital mundial da tecnologia e inovação, eruditos e investigadores de arquivos iniciavam uma ampla divulgação dos feitos do padre santista, que era tido até o final do século 19 como uma espécie de lenda. A invenção da Passarola de Gusmão foi tratada como uma autêntica prova do ineditismo da navegabilidade aérea. Os franceses, que vinham revelando ao mundo a evolução de suas invenções aeronáuticas a partir de 1783, reconheciam o feito de Bartolomeu realizado em Lisboa em 1709.


Em 8 de agosto de 1912, como parte das comemorações ao 203º aniversário da ascensão da Passarola, a Academia Aeronáutica Bartolomeu de Gusmão (criada em Paris) promoveu um jantar festivo no Luna Park, contando com a presença dos maiores vultos da ciência e das letras parisienses. Coincidentemente, estava de passagem pela Cidade Luz o vereador santista Manuel Alfaya. Ele ficou absolutamente encantado diante das manifestações de apreço e admiração ao padre Bartolomeu, seu conterrâneo. Durante os discursos, o comendador Alfaya aproveitou a distinção para agradecer em nome dos santistas a brilhante homenagem e garantiu que a cidade natal de Gusmão estava providenciando um monumento à altura de sua memória.


Monumento em homenagem ao padre, em foto da década de 1920
Monumento em homenagem ao padre, em foto da década de 1920   Foto: Reprodução

Contratação de Massa
Lorenzo Massa, afinal, acabou contratado, mas seu trabalho levou alguns anos para ser concluído, uma vez que a obra só avançava à medida da entrada de dinheiro. Com a aproximação do centenário da Independência, as comissões formadas para fiscalizar a apoiar a construção do monumento chegaram à conclusão de que seria mais proficiente aproveitar os festejos dos 100 anos para obter os recursos que giravam em torno da festa.


Enfim, pronto
As peças que comporiam o monumento a Bartolomeu de Gusmão chegaram ao Porto de Santos em 21 de junho de 1922, a bordo do vapor italiano Córdoba, acondicionadas em 111 caixas. Alguns dias depois, os santistas prepararam uma cerimônia de lançamento da pedra fundamental, com a presença dos heróis aviadores portugueses, Sacadura Cabral e Gago Coutinho (eles protagonizaram a primeira travessia aérea sobre o Oceano Atlântico, entre a Europa e a América do Sul, ocorrida entre 30 de março e 17 de junho daquele ano).


O comendador João Manuel Alfaya Rodrigues, principal idealizador da obra
O comendador João Manuel Alfaya Rodrigues, principal idealizador da obra   Foto: Reprodução

No dia 7 de setembro, enfim, o monumento era inaugurado, como parte das festividades relativas ao centenário da Independência. Às 16 horas, foi descerrado o pano que cobria a obra de arte de Lorenzo Massa. A multidão presente irrompeu o silêncio com uma grande salva de palmas. Em seguida, discursou o comendador João Manuel Alfaya Rodrigues, falando em nome da comissão executiva que viabilizou o empreendimento. Enfim, o padre voador ganhava a sua justa homenagem na terra natal. Santos, mais uma vez, orgulhava-se de um de seus grandes filhos.


SERGIO WILLIANS É JORNALISTA E PESQUISADOR DA HISTÓRIA DE SANTOS. CONHEÇA SEU TRABALHO AQUI


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