Saída temporária de presos é alvo de críticas no Litoral de São Paulo: 'Não ressocializa ninguém'

Para representantes de sindicatos de policiais, benefício não cumpre papel e aumenta número de crimes

Por: Maurício Martins  -  28/12/21  -  10:06
Atualizado em 28/12/21 - 13:41
Número de detentos beneficiados no litoral de SP é 44% maior do que no ano anterior
Número de detentos beneficiados no litoral de SP é 44% maior do que no ano anterior   Foto: Carlos Nogueira/AT

A saída temporária de presos, prevista na legislação, não cumpre o papel de ressocialização dos detentos, na opinião de sindicatos de policiais ouvidos pela Reportagem. Os representantes das entidades ainda acreditam em épocas de ‘saidinhas’, como aconteceu no Natal, há aumento no número de crimes.


Na última sexta-feira (24), A Tribuna mostrou que a saída temporária para as festas de fim de ano beneficiou 3.634 presos das penitenciárias da Baixada Santista e vale até 5 de janeiro, data em que os detentos devem voltar para a prisão. Isso representa 42,29% da população carcerária da região, que possui 8.593 detentos. Logo no primeiro fim de semana de saidinha houve ataques contra policiais penais (antigos agentes penitenciários) e morte. A autoria ainda é investigada e não se pode afirmar que há relação com pessoas que cumprem penas.


Para o presidente do Sindicado dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo (Sifuspesp), Fábio Jaba, as saídas temporárias são como o sistema prisional: não ressocializam ninguém.


“Seria muito melhor se a saidinha fosse individualizada, que o preso escolhesse o aniversário do filho, da esposa, outras datas. Ele tem direito a cinco saidinhas e o Judiciário, junto com a SAP (Secretaria Estadual de Administração Penitenciária), condicionou para essa saidinha de festa, onde milhares de presos vão para as ruas”, diz Jaba.


Para ele, é óbvio que a medida colabora com aumento da criminalidade. “A gente nota que em toda saidinha são vários crimes. E muitos presos não retornam. As leis deveriam mudar, mas infelizmente vemos quo Congresso Nacional não moveu uma palha para essa mudança”.


Contrária
A presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp), Raquel Kobashi Gallinati, é contrária à saída temporária de presos, “diante do número dos crimes que vêm atingindo a sociedade envolvendo detentos com esse tipo de benefício”.


“Apesar dos pré-requisitos legais a serem cumpridos, a saída temporária não cumpre o papel para o qual foi criada e representa um risco para a sociedade. O benefício já se mostrou ineficiente para reintegrar o preso à sociedade. Essas saídas de pessoas que praticaram crimes violentos revoltam a população”, diz ela.


A delegada defende um controle mais rigoroso, principalmente na hora de conceder ou não o benefício, analisando a periculosidade de cada detento, “para que absurdos, como presos que mataram os pais e conseguiram na Justiça a saída temporária para Dia dos Pais e das Mães, não fossem cometidos. Tais fatos demonstram que o benefício é concedido sem critério, sem análise individualizada de casos, colocando a sociedade em risco e à mercê da criminalidade”.


Recuperação
O presidente do Sindicato dos Policiais Civis de Santos e Região (Sinpolsan), Renato Martins, acha que a ressocialização do detento vai além de um benefício de liberdade e deve ser focada na condição de execução da sua pena. “A pena efetivamente cumprida com ambiente salubre, com dignidade, estímulo ao trabalho e estudo, é que trará a recuperação do infrator”.


Martins ressalta que o melhor seria uma reavaliação do benefício, para afastar o aumento da criminalidade. “Talvez a saída apenas para os infratores primários. No caso dos reincidentes, dependeria do crime e com dispositivo eletrônico e GPS. Talvez um limite máximo de 20% da população carcerária total. Mas isso dentro de uma política séria, que não se verifica”.


Para ele, não se pode fazer ligação de ataques contra agentes públicos de segurança com os presos que conquistaram o benefício recentemente. “Há 60 dias, a Baixada Santista teve um policial e dois agentes penitenciários mortos, uma explosão de caixas eletrônicos no posto da mesma região, furto de seis fuzis de uma base da Polícia Militar. E não havia nenhum detento em benefício de saída temporária”.


Criminalistas divergem sobre eficácia
Para o advogado criminalista Matheus Cury, a saída temporária foi criada com a finalidade de proporcionar a gradual reinserção social do preso. A lei prevê a saída até cinco vezes ao ano apenas para o preso que cumpre pena no regime semiaberto, explica ele.


“O preso que cumpre pena no regime fechado não tem direito. Muitos presos que estão no regime semiaberto já saem todos os dias para trabalhar e retornam. A saída proporciona ao preso o convívio familiar por um certo período. Assim, entendo que cumpre o seu papel, salvo raras exceções”.


Cury entende que a lei não precisa de revisão e que as saídas não estão relacionadas com o aumento da criminalidade. “A taxa de não retorno é muito pequena, gira em torno de menos de 5% ao ano. Caso o preso pratique um novo crime, ele regride para o regime fechado, além de responder pela nova acusação”.


Pensa diferente
O também advogado criminalista Davi Costa, acredita que a legislação foi feita para “um mundo perfeito, porém, não traz condições para garantir, de fato, a ressocialização. “Fizeram a lei, mas esqueceram de aparelhar o Estado para concluir um programa para reinserção desses indivíduos à sociedade”.


Para ele, a saída temporária não funciona no Brasil. “Infelizmente é fato gerador de crescimento de crimes e palco de impunidade, tendo em vista que boa parte dos detentos não retornam para término de cumprimento de pena”.


Costa acredita que não basta uma revisão da lei se o Estado não criar “artifícios regeneradores dos indivíduos”. “Imaginando o sentimento de uma vítima que vê o algoz de seu parente progredindo de regime, sob a quase certeza de ausência de regeneração, bem como da altíssima possibilidade de não retorno para cumprimento de pena, entendo que enquanto perdurar estas condições a lei deveria ser revogada, pois não cumpre seu papel”.


SAP
A Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (SAP) diz que tem oferecido iniciativas em prol da reintegração social de apenados, com indispensável participação dos servidores. “Entre dezembro de 2020 e junho deste ano, tivemos um aumento de 216,5% no número de presos em atividades educacionais”.


A pasta afirma que, neste segundo semestre, o Governo convocou 1.034 Agentes de Segurança Penitenciária (ASPs) remanescentes do concurso nº 121/2014. “Eles estão em treinamento e irão se juntar ao contingente de funcionários da Secretaria”.


A SAP diz que as saídas temporárias são benefícios previstos na Lei de Execução Penal e com as datas reguladas, no estado de São Paulo, conforme Portaria DEECRIM 02/2019. “A concessão do benefício é estipulada pela Justiça”.


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