Presidente da Unimed Santos diz que pandemia afetou a todos, mas trouxe aprendizado

Em entrevista, o médico Claudino Guerra Zenaide falou sobre sua reeleição e os desafios

Por: Arminda Augusto  -  10/04/22  -  20:35
Claudino Guerra Zenaide: “A tecnologia agrega, mas o médico não pode abandonar a conversa, o toque”
Claudino Guerra Zenaide: “A tecnologia agrega, mas o médico não pode abandonar a conversa, o toque”   Foto: Alexsander Ferraz/AT

Reeleito para mais quatro anos na presidência da Unimed Santos, o médico ortopedista Claudino Guerra Zenaide avisa: a pandemia afetou a todos, retardou projetos pessoais e profissionais, mas trouxe um aprendizado — é preciso cuidar mais de si, pensar no coletivo e nos outros.


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Primeira cooperativa Unimed do Brasil, com 55 anos, a unidade de Santos passou as últimas três semanas inaugurando espaços: uma unidade exclusiva para atendimento ao Transtorno do Espectro Autista (TEA) e, na semana passada, o Núcleo de Hemodiálise. Para os próximos dois anos, está no radar a construção de um hospital próprio, em uma área na Rua Paraná onde já estão os outros serviços.


Nesta entrevista, Guerra, natural da Paraíba, onde se formou em universidade federal há quase 50 anos, fala sobre os rumos da Medicina e diz que, a despeito das novas tecnologias, a profissão não pode abandonar as velhas práticas do toque, da conversa, do contato com o paciente.


No seu primeiro mandato como presidente, a Unimed entregou o novo Centro Médico. O senhor diria que esse foi o principal legado dessa sua gestão?


Acho que sim. Eu entrei nessa diretoria em 2006, com o doutor Raimundo Macedo. E fiquei como vice durante esse período em que ele comandou. O sonho do Raimundo e da diretoria era fazer uma verticalização de serviços próprios. Na medicina suplementar, o custo é muito alto quando você terceiriza serviços. O médico pode pedir o que o paciente precisar, mas o que ele pedir será feito dentro da estrutura. E, com isso, você controla mais esse custo.


Quanto a não terceirização economiza?


A gente tem um número mágico de 30% de desperdício. Isso na saúde toda. O paciente não precisava daquilo, mas faz. E quem paga essa conta é ele. Ele acha que já pagou, mas não. O que ele está usando hoje vai pagar no próximo aumento. Essa conscientização deve existir, porque é muito difícil a gente incutir isso na cabeça do beneficiário.


O senhor diria que também há um excesso de pedidos de exames, por exemplo?


Hoje, infelizmente, a medicina do toque humano, de você ir ao médico e ele te tocar, examinar, uma medicina que a gente considera padrão, e é o correto, às vezes se perde um pouco. O médico pede só exames e aguarda os resultados para definir um diagnóstico. Coisa que, antigamente, era o inverso. Antigamente se fazia o diagnóstico com um exame físico. E, então, pedia-se um exame suplementar, para tirar alguma dúvida ou confirmar algo.


Mas isso não tem a ver, também, com a formação médica atual?


Muito! Essa é uma perda que esse volume todo de faculdades de Medicina está trazendo. Porque você massifica muito. E isso não tem volta.


E como se pode resolver isso, então?


Estão falando muito em inteligência artificial. Ela está chegando, e talvez faça esse tipo de diferenciação num padrão. Você vai jogar aquele sintoma no sistema, e ele responde para você. São os novos tempos. Mas sou um médico à antiga. Uma vez por semana, faço consultório ainda. Para não largar.


Ainda sobre o Centro Médico, quanto foi gasto entre a sua construção e os equipamentos instalados?


Investimos em estrutura física e no aparelhamento em torno de R$ 70 milhões. Mas o sonho foi concluído e está funcionando. Hoje, temos toda uma estrutura de suporte para o cliente, que começa no Pronto Atendimento. Completamos, agora, com o setor de hemodiálise específico, a primeira parceria que a Unimed faz. Também temos um setor muito importante de quimioterapia, uma parte em que o paciente está muito carente e a gente melhorou muito é o suporte de hotelaria para ele e para o acompanhante. Mas a utilização do Centro Médico ainda está baixa, não chegamos a 60%.


O senhor deve isso a quê?


O médico cooperado, de um modo geral, é muito conservador. Você não tem ideia da diferença de trazer um colega que está habituado a operar em determinado hospital para ir operar lá — que é dele.


Mas se a intenção é fazer economia...


Tem que pôr isso na cabeça dele. Tem que convencê-lo. A mesma coisa para pedir exames. Mas ele está habituado, e é assim mesmo, vai com o tempo. Mas vamos chegar aos 80%, que são a nossa meta de ocupação em todos os setores.


Para esses próximos quatro anos, a sua grande obra será a construção do hospital que citou?


Então, esse continua como o nosso sonho. Nós estávamos nos preparando para isso. Teoricamente, a despesa é menor para a construção, porque o custo maior já está no Centro Médico. Com a pandemia, infelizmente, isso vai se retardar.


Qual é a estimativa de gasto para construir um hospital assim?


Se a gente gastou R$ 70 milhões no Centro Médico, no hospital estamos calculando um pouquinho mais, em torno de R$ 100 milhões. Ele terá 160 leitos, com uma projeção de ir para 200. A gente tem um nível de 240 internações diárias na nossa rede. Nossa média gira em torno de 4,5 dias de permanência. É uma média normal. Ainda não decidimos se haverá ou não maternidade. Se tiver, vai precisar de uma UTI neonatal.


A pandemia retardou esse sonho em quantos anos?


Pelo menos dois anos, porque a pandemia não acabou ainda. Hoje (dia da entrevista), estamos com 14 doentes internados com covid, mas chegamos a 240.


Como médico e presidente da cooperativa, imagino que nunca pensou em enfrentar uma situação como essa dos dois últimos anos.


Não, jamais. Em 2020, morreu muita gente. Em 2021, houve muitos doentes e menos óbitos. Com isso, você aumentou os custos (de internação). E o colega médico, que estava restrito em casa, voltou a operar, porque não aguentou mais ficar em casa. O paciente também não aguentou mais ficar em casa.


Há um consenso de que muitos diagnósticos novos de doenças graves, como câncer, foram retardados, e que isso vai estourar mais para frente. Vocês projetam isso também?


Isso já está sendo projetado. As neoplasias vão aparecer mais agora. Nós estamos criando um núcleo de prevenção para cinco patologias, com a perspectiva de aumento nessa área: prevenção em mama, colo de útero, cólon reto-intestinal, próstata e diabetes. A base vai funcionar na Diretoria de Mercado, comandada pelo NGC (Núcleo de Governança Clínica).


Isso é pós-covid, porque vocês estão preocupados com o aumento das neoplasias.


Esse projeto é para a vida inteira, porque o ideal é fazer medicina preventiva, que é uma coisa que a gente nunca fez. A gente faz medicina curativa.


A medicina preventiva deveria ser o carro-chefe da medicina pública também, não é mesmo?


O SUS começou a fazer isso muito bem quando criou o Médico de Família. Isso foi um passo, porque começou a controlar uma comunidade; direciona o atendimento correto para isso.


A Unimed perdeu usuários na pandemia, por conta da crise econômica e do aumento do desemprego?


Neste último ano, que foi o pior, conseguimos crescer 800 vidas no ano todo. É pouco, a gente apenas sobreviveu. No nosso mapa estratégico, a meta era de 13 mil vidas a mais. Era o que estava projetado.


O senhor falou em meta de 13 mil novas vidas por ano, mas para crescer também é preciso que a região cresça economicamente. Essa é uma preocupação da Unimed Santos?


É uma preocupação grande. Hoje, há dois polos de crescimento, que são Bertioga e Praia Grande. Em Bertioga, criamos uma unidade de atendimento lá. Na Praia Grande, já tínhamos um Pronto Atendimento e compramos uma área para aumentar esse espaço. A ideia é fazer um Centro Médico como o de Santos. A Praia Grande está crescendo, e tem um público que quer ser atendido lá.


Santos representa a maior parte do público?


Sim, com certeza. São 70 mil beneficiários de um total de 172 mil. O restante está distribuído pelos demais municípios. São Vicente é a segunda cidade, com 27 mil beneficiários.


Ainda sobre a pandemia, qual o principal legado que esses dois anos deixam para um plano de saúde e para a saúde pública também?


Olha, eu diria que o grande ensinamento foi para as pessoas mesmo, para o ser humano, para ele cuidar de si. O medo trouxe isso: você tem que usar máscara, passar álcool em gel nas mãos. Isso são medidas da pandemia? Não, são medidas que deveríamos ter no nosso dia a dia. E cuidar do outro também. Esse é um legado que a pandemia trouxe.


Santos tem uma quantidade grande de pessoas maiores de 60 anos, com projeção de crescer ainda mais. A Unimed pensa em ter algo específico para o idoso?


Pensa. E isso é um grande problema que vamos ter. Porque o idoso traz consigo um custo maior. Uma das preocupações globais é essa, e você precisa fazer mais prevenção. Esse idoso vai trazer uma despesa maior e com um poder aquisitivo menor. Esse é o contrassenso do idoso. Ele passa a gastar mais, a produzir menos, e ter uma renda menor. É uma preocupação nossa e também para o nosso SUS.


E como é que se equaciona isso?


Com prevenção. Não tem outra maneira. Para não deixar o idoso chegar doente, mas o mais sadio possível.


No SUS há serviços de excelência, como o próprio Plano Nacional de Imunização, mas há também uma grande diferença de distribuição de qualidade País afora. Como equilibrar isso?


Quando o governo criou o SUS, ele não tinha ideia do que estava sendo criado. Porque dar assistência para 150 milhões de pessoas não é nada fácil. Precisa reforçar os programas de médico de família, ter um grupo responsável por um setor, outro grupo por outro setor. A variação de regiões é muito grande, há diferentes necessidades e é muito difícil gerenciar isso. Eles criaram essa volumetria toda de abrir faculdades de Medicina, porque um dos objetivos do SUS era esse. Ter um volume maior de médicos no nosso País.


O senhor acha que esse é um caminho?


Eu tenho dúvidas sobre a formação desses colegas. Também não posso criticar muito, porque minha formação é diferente disso. Em Cubatão e Guarujá, estão formando médicos de família. Talvez seja um caminho.


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