Mudanças no Código de Trânsito são criticadas por especialistas; entenda

Proposta do presidente Jair Bolsonaro que relaxa as regras no trânsito, enviada ao Congresso, é vista como um retrocesso na área

Por: Eduardo Brandão & Da Redação &  -  07/06/19  -  00:17
Cobranças poderão ser parceladas por meio de cartão de crédito
Cobranças poderão ser parceladas por meio de cartão de crédito   Foto: Vanessa Rodrigues

Encaminhado ao Congresso na terça-feira (4), o projeto de lei que altera o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é alvo de críticas de especialistas. A proposta apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) vai na contramão do que defende a maioria das entidades de educação ao volante.


O relaxamento das regras, como por exemplo a mudança de 20 para 40 pontos do limite que um motorista pode acumular em 12 meses e o fim da exigência de exame toxicológico para condutores profissionais, é visto como retrocesso nas políticas de segurança viária.


O sociólogo e especialista em segurança viária Eduardo Biavati alerta que as mudanças podem elevar o número de infrações. “[A flexibilização na regra de pontos] significa um certo relaxamento do motorista, que terá mais três infrações graves antes de ter a habilitação cassada. Quanto maior a tolerância, maiores serão as imprudências”.


Biavati teme aumento no número de mortos e feridos nas estradas em decorrência das mudanças. “A mensagem que o governo passa é de aumento da tolerância com a violação das leis de trânsito. Este pacote decreta que o Brasil vai voltar a andar para trás”, pondera.


O especialista defende regras mais rígidas no trânsito. Mas reconhece que condutores profissionais (caminhoneiro, motoristas de táxi e aplicativo) poderiam ter limites de pontuação especial. “O Brasil é o quarto país do mundo em mortes no trânsito. Deveríamos esperar medidas para aumentar a fiscalização, não o contrário”, critica Biavati.


Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Julyver Modesto de Araújo observa que o CTB foi alterado recentemente para dar maior rigor à penalidade de pontuação na CNH. “Elevou-se o tempo mínimo de suspensão para quem atinge os 20 pontos, de um para seis meses. Aumentar a pontuação é uma decisão dissonante do que motivou, à época, o recrudescimento da lei”.


Exame


O fim do exame toxicológico também é apontado como possível fator de ampliação das mortes no trânsito. O especialista em Direito no trânsito Maurício Januzzi condiciona a falta dessa comprovação a um maior número de acidentes em rodovias.


“O conjunto de medidas é um retrocesso à batalha de educação ao volante. O Brasil sequer arranhou a meta exigida pela ONU [Organização das Nações Unidas] de reduzir 50% o número de mortes [no trânsito] em dez anos”, completa Biavati.


A proposta apresentada desobriga ainda ouso de cadeirinha de retenção para crianças de até sete anos e meio – os infratores receberiam apenas uma advertência escrita, em vez de multa. O texto dá margem para que não haja aplicação de sanção até mesmo para motoristas que transportem crianças no banco dianteiro.


Hoje, transportar crianças em veículo sem o dispositivo de segurança é uma infração gravíssima, que rende sete pontos e multa de R$ 293,47. Já a medida administrativa prevista é a retenção do veículo até que a irregularidade seja sanada. “Cadeirinha e cinto salvam vidas”, resume o presidente da Comissão de Campanhas Públicas da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), Sandro Reginaldo.


A Organização Mundial de Saúde (OMS) diz que o uso do dispositivo reduz em 71% as mortes de bebês em acidentes. De acordo com a Casa Civil da Presidência, a retirada da sanção é para buscar “um caráter mais educativo”.


Vidas


Os acidentes de trânsito são a primeira causa de morte entre os 15 e 29 anos, a segunda entre os 5 e 14 anos e a terceira dos 30 aos 44 anos, aponta a Organização Mundial da Saúde (OMS). Também são a principal causa do elevado índice de pessoas com traumas (permanentes ou não), em especial envolvendo motociclistas.


“Por ano, cerca de 600 mil pessoas ficam com sequelas permanentes, como dificuldade e até impossibilidade de se locomover e, consequentemente, de trabalhar, estudar, levar a vida”, explica presidente da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), Moisés Cohen. O médico ortopedista Marcos Esner Musafir afirma que os acidentes têm um custo elevado. “Até 75% dos leitos de trauma dos hospitais públicos estão com vítimas do trânsito”.


Tramitação


O projeto deve começar a tramitação por uma comissão especial na Câmara, conforme informou, à Agência Brasil, a líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP). O texto pode ser aperfeiçoado e ter novas medidas incluídas antes de ser votado pelos deputados. A ideia é que a proposta avance antes do recesso parlamentar, que começa em 18 de julho.


Após a tramitação na Câmara, o projeto seguirá para o Senado. Caso sofra alguma alteração dos senadores, a proposta volta para novos debates na Câmara. Somente ao final deste processo o texto retorna para eventual sanção presidencial.


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