Márcio França admite encontro com o PT e fala sobre futuro na política: 'Temos que buscar saídas'

Em entrevista para A Tribuna, ex-governador e ex-prefeito de São Vicente fala sobre eventual composição do PSB com Lula

Por: Arminda Augusto  -  25/04/21  -  06:41
  Foto: Nirley Sena

Terceiro colocado na eleição de 2020 para a Prefeitura de São Paulo, o ex-governador e ex-prefeito de São Vicente Marcio França (PSB) parecia ter desaparecido da mídia. Esta semana, seu nome voltou à pauta e desta vez em cenário nacional, como eventual candidato a vice em uma composição do PSB com o PT de Lula. França desconversa, diz que não há nada nesse sentido por ora, mas admite que o partido manteve encontro com o PT, do qual também participou. Ele está se afastando do comando do partido em nível estadual para assumir a presidência da Fundação João Mangabeira, criada em 1990, destinada a fomentar novos quadros para o PSB, promovendo cursos, palestras e outras atividades.


Como tem sido sua agenda de novembro para cá, quando terminaram as eleições municipais?


Eu vim para São Vicente dar uma assistência para a minha mãe, que tem 90 anos, minha tia de 93 e a outra tia, de 99. Não deixo elas saírem, levo tudo de que elas precisam. A Lúcia voltou para a escola. E aí surgiu essa articulação para que eu assumisse a fundação (Fundação João Mangabeira), um organismo importante para o partido. Assumi a fundação ontem e, como não pode acumular funções, devo me afastar do comando estadual do partido. O ex-prefeito de Campinas (Jonas Donizette) deve assumir.


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E qual será seu foco à frente da fundação?


Eu quero fazer uma mudança que considero relevante, que é criar uma faculdade pública que é da própria fundação, nos mesmos moldes da Univesp (Universidade Virtual do Estado de São Paulo), com o ensino a distância. A fundação compra a vaga em Administração Pública e oferece para jovens que queiram ter vida pública – porque percebemos que, quando se ganha uma eleição, todo mundo quer ajudar, mas nem todos sabem conceitos mínimos de administração pública. Nem sempre a pessoa tem noção administrativa suficiente, e há muita carência de gente qualificada nessa área. Será a primeira vez que uma fundação fará um curso de graduação gratuito. E é claro que nós, que já temos uma trajetória na vida pública, poderemos ajudar dando aulas, noções gerais, para criar uma espécie de corpo que ficasse disponível a ocupar essas funções. E claro, eventualmente, descobrir lideranças que topem disputar eleições.


De onde vêm os recursos da fundação?


30% do fundo partidário é da fundação. As fundações, em geral, oferecem cursos, produzem filmes, produzem livros, mas fica muito restrito à formação política, o que acaba focando sempre nas mesmas pessoas, e não foca nos jovens, que formariam uma espécie de estoque, formado por gente que entende de administração pública.


Essa é uma constatação sobre a qual se fala bastante: há muita gente que se elege e escolhe suas equipes sem ter noção exata de como funciona a máquina pública, e acaba consumindo tempo do mandato e recursos em ações inócuas.


Exatamente, e esse é o foco da fundação: os jovens fazem o curso, terminam em dois anos, recebem a titulação da fundação com chancela da universidade. O que acontece é o seguinte: as pessoas podem ser bons administradores na área privada, mas quando chegam na vida pública, têm um choque de realidade, e aí acontece o que estamos vivendo agora.


O quê?


O Bolsonaro, que nunca tinha governado nada, o Doria, que tinha pouquíssima experiência ... quem tinha mais experiência era o Bruno (Covas), que agora, com a questão da saúde, fica a Prefeitura sob o comando de quem nunca governou nada. É a catarse ideal: só gente nova, que vai levar um tempo pra entender a máquina. Do dia que você decide alguma coisa como prefeito até o dia em que ela vai começar, de fato, leva dois ou três anos se você não tiver experiência, só com o trâmite na máquina, sem falar nos recursos. A vida administrativa é muito cheia de imprevistos, como a pandemia.


Mas entre o presidente Bolsonaro e o governador Doria, há uma diferença, já que o presidente tinha quase 30 anos lidando com assuntos públicos como deputado federal. Não era totalmente desconhecido nessa área.


Existem vocações na política. Tem gente que é boa no Parlamento. Bolsonaro, ao contrário do que falam, é hiper inteligente e esperto na política. Ele não tem noção administrativa, não tem experiência. Ele não pensou em ser presidente. Então, quando chega lá, não tem equipe, não tem conhecimento. Eu lembro de ter feito uma pergunta para o Dória no debate (nas eleições de 2018): o que era um precatório. Ele não sabia, e continua não sabendo, porque ele não tem paciência. Nisso, ele é muito parecido com o Bolsonaro, no sentido da impaciência para aprender. Veja a questão dos precatórios, por exemplo: o Estado deve uns R$ 23 bilhões ou R$ 24 bilhões em precatórios, o que gera um juro, por mês, de R$ 400 milhões, que estão sendo pagos por todos nós. É algo maluco, que tem como solucionar, mas vai levar ainda bastante tempo até que ele entenda. E quando você sai de uma eleição e já entra em outra, não tem tempo para aprender.


O senhor falou em ‘ser vocacionado’. Diria, então, que o presidente Bolsonaro é vocacionado para estar no Parlamento, é isso?


Sim, porque ele representa perfeitamente um grupo que precisa ser representado. Mas quando você se elege para um cargo majoritário, não representa apenas quem te elegeu, mas todos, inclusive seus adversários.


    “Quando ele (Lula) entra no jogo, uma vaga para o segundo turno se fecha”
“Quando ele (Lula) entra no jogo, uma vaga para o segundo turno se fecha”   Foto: Nirley Sena

O senhor já foi vereador, prefeito, deputado federal, secretário de Estado, governador. Para onde está mais vocacionado: Executivo ou Legislativo?


Pelo meu gênio, eu diria que fui mais bem-sucedido no Executivo. O que me projetou foi a Prefeitura de São Vicente, os 93% (França foi reeleito em 2000, com 93% dos votos válidos). É um índice muito bom. Então, acho que fui bem. Mas gosto do Legislativo também. Ele é mais articulação. Eu me sinto menos representante de uma categoria, de um grupo. O meu estilo é mais amplo, por isso, acho que me dou melhor no Executivo. Brasília parece um Playcenter para quem gosta de política, porque todo dia tem assunto pra tudo. No Executivo, é gostoso ver as coisas acontecerem sob sua responsabilidade. Quem se propõe a fazer administração pública tem quase uma obrigação de antever fatos. Em 2019, eu tinha acabado de perder a eleição para governador, e fui fazer uma viagem com a Lúcia. Quando estava voltando de Machu Picchu, final do ano, me chamou atenção notícia sobre a covid na China. Eu comprei pela internet uma caixa com mil máscaras cirúrgicas. Disseram que eu estava louco, riram de mim na família. Mas eu sabia que o coronavírus ia chegar aqui. As providências já deveriam ter sido tomadas ali.


Quais?


Fechar Cumbica, fazer quarentena com quem chegasse e suspender o Carnaval de 2020. Nada foi feito. Hoje, o Brasil é o epicentro da covid no mundo, e São Paulo é o epicentro no Brasil, mesmo sendo a potência que é. Foi falta de visão. Mas há uma fórmula para ajudar bastante neste momento.


Qual?


O Governo Federal tem uma capacidade que governadores e prefeitos não têm, que é emitir nota. Bolsonaro pode emitir nota e botar dinheiro na mão das pessoas. Se botar dinheiro na mão das pessoas, ninguém vai reclamar de fazer lockdown. Subsidia o comércio com o aluguel, tira os impostos. Mas se você não der nada, não tem como as pessoas ficarem em casa. No ano passado, o Governo Federal fez bastante isso, e os estados e municípios foram muito ajudados pelo presidente. Além do auxílio emergencial, (houve) a permissão para suspender e reduzir contrato de trabalho, com ajuda do Governo Federal. Estamos entrando num caos. Eu tenho sugerido a prefeitos e governadores que antecipem receita.


Como assim?


Isso nunca foi feito, mas é possível fazer. Vender IPTU de 22, 23 e 24.


Mas vai comprometer o orçamento desses anos lá na frente.


O dinheiro só muda de mão. Quem tem dinheiro guardado ou aplicado tá ganhando pouco em rendimento. Se a prefeitura oferecer 50% de desconto para 2024, se torna atrativo. E é claro que vai comprometer o orçamento, mas a angústia agora é essa. Supomos que, em 2023 e 24, não estaremos passando por isso. Mas nesse momento de emergência, é uma solução. E eu também defendo que o dinheiro que for entregue pelas prefeituras para esse auxílio seja em forma de cartão, para gastar na sua própria região, no seu bairro. E para comerciantes, suspende IPTU, suspende impostos. Está todo mundo quebrado. Temos que sair da caixinha, buscar saídas novas. As pessoas aguentam qualquer tipo de humilhação, menos ver um filho passando fome.


Esta semana, surgiu a notícia sobre eventuais negociações entre PSB e PT para 2022, com o senhor candidato a vice de Lula. Essa tratativa existe?


Assim que os processos contra Lula foram anulados na Justiça, naturalmente ele teve o nome lembrado para presidente da República, porque todos sabem que ele é um líder popular. E quando ele entra no jogo, uma vaga para o segundo turno se fecha, porque não há um político que não saiba que uma das vagas é dele. O que vai se disputar, agora, é a outra vaga. Se o Bolsonaro vai ou não chegar vivo nessa vaga é a tarefa dele. Na medida em que o Lula é candidato, fica muito estreito o caminho dos outros. Todos querem ter o seu próprio candidato, e o PSB também. Hoje, há dois partidos grandes: PT e PSL, e oito do mesmo tamanho, onde estamos. O Lula fez uma live com a direção do nosso partido e do PT. Na prática, não se falou sobre ser vice ou não, mas o que eu deduzo: que podem estar deixando escapar essas informações para ver como repercutem.


Mas a ideia de ser vice do Lula agrada ao senhor? Ou está mais para tentar o Governo do Estado de novo?


Eu acho pouco provável o Doria ser candidato à reeleição. Ou ele sai a presidente, ou sai a vice ou não sai a nada. Porque ele teria muito receio de disputar reeleição e ser derrotado. Se ele perde pra cima, não tem tanto problema.


Mas e o senhor nessa história?


A minha responsabilidade partidária não me permite dizer “eu quero ser isso ou aquilo”. Eu penso que, daqui até o meio do ano, é a decisão do (ex-governador paulista Geraldo) Alckmin. Ele é decisivo nesse processo e eu tenho muito respeito por ele. Conversamos várias vezes de sair juntos na eleição de governador aqui. É muito provável.


Mas da forma como o Geraldo Alckmin saiu na última eleição, em 2018, ainda há força eleitoral para disputar novamente?


Acho sim. Eu ganharia Capital, Grande SP, Baixada e Vale do Ribeira. Ele ganha interior. O que surgiu de novo? O (Fernando) Haddad, que é um nome nacional, que entraria na nossa faixa de votos. Eu acho que o Alckmin é mais que um nome local. É um nome nacional. Em 2018, ele era o cara certo na hora errada. Ele é super maduro, ponderado. Era o cara certo para estar lidando com a pandemia, por exemplo.


Então as definições vão depender do Alckmin.


Exato. No dia que ele se movimentar partidariamente, o nome volta para o jogo nacional. É que tudo dele é mais lento. Sobre o nome, não está nada definido. Essa sequência de duas eleições majoritárias que eu enfrentei realmente me colocou em um patamar mais nacional. Em o Doria sendo candidato a reeleição, o eleitor vai olhar pra ele e lembrar de mim. O Doria só deu essa titubeada porque o Lula entrou no jogo.


Esse movimento lançado recentemente, envolvendo João Amoedo, Luciano Huck, Mandetta, o próprio Doria, Ciro e Eduardo Leite, pode bagunçar o jogo político em 22?


Acho que é uma confraria. Não é consistente do ponto de vista de união. Quem tem seis não tem nenhum, como disse Dora Kramer. Precisa ter um que lidere os outros.


Em 2019, quando o Governo Doria assumiu, os convênios que o senhor havia estabelecido enquanto governador com os municípios da Baixada foram cancelados, com o argumento de que não havia provisionamento no orçamento do Estado, ou seja, não tinha consistência.


Só dá crédito a isso quem não entende de administração pública. Para você empenhar um recurso, passa antes pela Procuradoria, Planejamento etc. Impossível fazer planejamento sem ter lastro. As contas foram todas aprovadas. No fundo, ele não queria liberar o dinheiro, os R$ 500 milhões. Estava lá o pronto-socorro de SV, que agora tá pronto e sem funcionar. Eu deixei recurso para obra e custeio. Onde pegou mais pesado foi na Baixada Santista. O Governo está acabando, e o que chegou de grande para a região?


Em relação ao Porto de Santos, que modelo o senhor defende para o processo de privatização?


Eu defendo a possibilidade de que o Condesb (Conselho de Desenvolvimento da Baixada Santista) tenha participação nisso. O Porto não é só de Santos. O grau de crítica seria muito mais fácil de absorver e resolver. Se tivéssemos o Condesb na liderança desse processo, haveria uma atuação mais forte e presente. Ele faria parte em um primeiro momento, mas em cinco ou dez anos, assumiria o comando.


Para 2022, todos os cenários estão abertos, diz Marcio França, inclusive sair candidato a governador novamente, em dobradinha com Geraldo Alckmin (PSDB).


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