Mãe de menina trans relata preconceito nas redes sociais e dentro de delegacia: 'Descaso'
Família prestou queixa sobre comentários transfóbicos na internet, mas teve boletim de ocorrência preenchido como injúria
Uma família de Mongaguá vem combatendo a transfobia na internet por meio das redes sociais. Milena Gerassi, de 10 anos, teve sua foto compartilhada na web com xingamentos aos seus pais e contra a mudança de gênero. Na última segunda-feira (2), a família teve o pedido de registro do crime como transfobia negado na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Santos.
As mensagens insultando a família de Milena começaram após a publicação de uma matéria que relata a relação familiar e a aceitação dos pais ao pedido da criança para que deixasse de ser chamada de Eros. Segundo a mãe de Milena, Andrea Gerassi, a criança sofria preconceito na escola e sempre deu sinais de que não se sentia confortável em ser um menino.
A mãe explica que, apesar do amor e exemplo de acolhimento, a história de Milena repercutiu de maneira negativa em parte dos usuários das redes sociais, incluindo ameaças de denúncia ao Conselho Tutelar, devido à criação da garota, e xingamentos. “Pegaram a foto da minha filha, uma criança, e a chamaram de indecente, dizendo que somos pedófilos. Usaram palavrões para xingar minha família em páginas conservadoras, eu tive que denunciar”.
Com as imagens em mãos, a família procurou a Delegacia de Defesa da Mulher de Santos, pois é a única que atende crimes virtuais, mas no boletim de ocorrência foi registrado como injúria. “A escrivã me falou que não cabia o crime de LGBTfobia, porque para o Supremo Tribunal Federal só é quando a pessoa é agredida ou morta”, desabafa.
Ainda de acordo com Andrea, além de ter sido classificado como injúria, o campo para assinatura da criança estava com o nome de registro, Eros Gerassi. “Quando fui assinar, vi que o nome social não estava lá, e na hora a ‘Mi’ perguntou o porquê disso não ter sido respeitado. Nos responderam que só poderiam utilizar com a retificação dos documentos”, conta. Andrea também afirma que a forma de atendimento na delegacia agravou a situação, e que se sentiu desrespeitada “como mãe e como mulher”.
A mãe conta que a filha ficou abalada com os xingamentos e o tratamento que recebeu na delegacia. “Fomos tomar banho juntas, e ela contou que queria nos dar uma recompensa pelo que eu e o pai fizemos por ela, mas aquilo era somente amor. Não adianta apenas a Milena estar amparada. Minha filha não vai morrer, mas outros vão”, finaliza.
Retificação
A diretora jurídica da Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (Abrafh), Patricia Gorisch, explica que após ação do Supremo Tribunal Federal (STF), crimes de ódio, agressões e até homicídios contra LGBTs podem ser classificados como LGBTfobia, crime equiparado ao racismo. “Com a decisão do STF, o boletim de ocorrência deveria ser retificado para transfobia, já que claramente não foi somente injúria”, explica.
Além disso, Patrícia esclarece que todo o corpo do boletim de ocorrência, incluindo o histórico, deve ser preenchido com o nome social da vítima e o uso correto dos pronomes. “No boletim de ocorrência de Milena [ao qual ela teve acesso], o campo de assinatura está como Eros. Ainda que o processo de retificação dos documentos esteja em jurisdição, a pessoa tem o direito de assinar com o seu nome social”, finaliza.
Em nota, a Polícia Civil informa que diante do teor das ofensas proferidas contra a família, o caso foi registrado como injúria, podendo a natureza da ocorrência ser alterada durante as investigações. Apesar disso, ressalta que foram utilizados pronomes femininos para se referir à Milena.