Mãe de menina trans relata preconceito nas redes sociais e dentro de delegacia: 'Descaso'

Família prestou queixa sobre comentários transfóbicos na internet, mas teve boletim de ocorrência preenchido como injúria

Por: Yasmin Vilar & De A Tribuna On-line &  -  04/07/19  -  11:56
Mãe e filha foram até delegacia prestar queixa sobre comentários transfóbicos nas redes sociais
Mãe e filha foram até delegacia prestar queixa sobre comentários transfóbicos nas redes sociais   Foto: Arquivo Pessoal/ Andrea Gerassi

Uma família de Mongaguá vem combatendo a transfobia na internet por meio das redes sociais. Milena Gerassi, de 10 anos, teve sua foto compartilhada na web com xingamentos aos seus pais e contra a mudança de gênero. Na última segunda-feira (2), a família teve o pedido de registro do crime como transfobia negado na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Santos.


As mensagens insultando a família de Milena começaram após a publicação de uma matéria que relata a relação familiar e a aceitação dos pais ao pedido da criança para que deixasse de ser chamada de Eros. Segundo a mãe de Milena, Andrea Gerassi, a criança sofria preconceito na escola e sempre deu sinais de que não se sentia confortável em ser um menino.


A mãe explica que, apesar do amor e exemplo de acolhimento, a história de Milena repercutiu de maneira negativa em parte dos usuários das redes sociais, incluindo ameaças de denúncia ao Conselho Tutelar, devido à criação da garota, e xingamentos. “Pegaram a foto da minha filha, uma criança, e a chamaram de indecente, dizendo que somos pedófilos. Usaram palavrões para xingar minha família em páginas conservadoras, eu tive que denunciar”.


Com as imagens em mãos, a família procurou a Delegacia de Defesa da Mulher de Santos, pois é a única que atende crimes virtuais, mas no boletim de ocorrência foi registrado como injúria. “A escrivã me falou que não cabia o crime de LGBTfobia, porque para o Supremo Tribunal Federal só é quando a pessoa é agredida ou morta”, desabafa.


Ainda de acordo com Andrea, além de ter sido classificado como injúria, o campo para assinatura da criança estava com o nome de registro, Eros Gerassi. “Quando fui assinar, vi que o nome social não estava lá, e na hora a ‘Mi’ perguntou o porquê disso não ter sido respeitado. Nos responderam que só poderiam utilizar com a retificação dos documentos”, conta. Andrea também afirma que a forma de atendimento na delegacia agravou a situação, e que se sentiu desrespeitada “como mãe e como mulher”.


A mãe conta que a filha ficou abalada com os xingamentos e o tratamento que recebeu na delegacia. “Fomos tomar banho juntas, e ela contou que queria nos dar uma recompensa pelo que eu e o pai fizemos por ela, mas aquilo era somente amor. Não adianta apenas a Milena estar amparada. Minha filha não vai morrer, mas outros vão”, finaliza.


Foto da criança foi publicada com xingamentos aos familiares
Foto da criança foi publicada com xingamentos aos familiares   Foto: Arquivo Pessoal

Retificação


A diretora jurídica da Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (Abrafh), Patricia Gorisch, explica que após ação do Supremo Tribunal Federal (STF), crimes de ódio, agressões e até homicídios contra LGBTs podem ser classificados como LGBTfobia, crime equiparado ao racismo. “Com a decisão do STF, o boletim de ocorrência deveria ser retificado para transfobia, já que claramente não foi somente injúria”, explica.


Além disso, Patrícia esclarece que todo o corpo do boletim de ocorrência, incluindo o histórico, deve ser preenchido com o nome social da vítima e o uso correto dos pronomes. “No boletim de ocorrência de Milena [ao qual ela teve acesso], o campo de assinatura está como Eros. Ainda que o processo de retificação dos documentos esteja em jurisdição, a pessoa tem o direito de assinar com o seu nome social”, finaliza.


Em nota, a Polícia Civil informa que diante do teor das ofensas proferidas contra a família, o caso foi registrado como injúria, podendo a natureza da ocorrência ser alterada durante as investigações. Apesar disso, ressalta que foram utilizados pronomes femininos para se referir à Milena.


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