Internados com covid-19 enfrentam sequelas da doença

Não bastar superar o coronavírus, para muitas pessoas deixar o hospital é apenas o começo de uma longa batalha para voltar à rotina

Por: Maurício Martins  -  13/12/20  -  10:50
Centro de Reabilitação Lucy Montoro, em Santos, tem cerca de 10 pacientes com sequelas
Centro de Reabilitação Lucy Montoro, em Santos, tem cerca de 10 pacientes com sequelas   Foto: Matheus Tagé/AT

A diarreia já durava uma semana, mas não assustou o jornalista Luiz Otávio Paro, de 40 anos. Saudável, ele achou que poderia ter comido algo que não fez bem. Afinal, o sintoma não é tão frequente na covid-19. Além disso, não havia motivo um jovem, sem doenças crônicas, entrar em pânico. Isso até aquele dia 8 de setembro.  


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“Surgiu uma dor de cabeça e no corpo bem forte, comecei a passar mal mesmo. Fui no hospital, pediram uma tomografia e meu pulmão já estava 50% comprometido. E nem tia falta de ar. Internaram na hora e, no dia seguinte, já fui para a UTI, intubado”, conta Luiz.  


Foram 33 dias em coma induzido na UTI. Precisou de traqueostomia (furo no pescoço para ajudar na respiração) e hemodiálise (filtragem do sangue por máquina, quando o rim tem problemas). Deixou o hospital 50 dias depois. Venceu a doença, mas começou outra luta.  


“Saí como se fosse um corpo de borracha, de bebê. Meu bigode coçava e eu não conseguia levantar a mão para coçar. A sensação é que fui atropelado por um caminhão. Em casa comecei um trabalho duro e lento de recuperação. Você não anda, não come e nem vai no banheiro sozinho”, explica o jornalista, que na semana passada, mais de um mês após a alta hospitalar, voltou ao trabalho.  


A rotina, porém, continua com acompanhamento médico, de fisioterapeuta, nutricionista, fonoaudiólogo e de psicólogo, para superar o trauma. “Fiz exame e meu pulmão está manchado, com lesões deixadas pela covid-19. Minha visão ainda fica embaçada. É uma doença que destrói mesmo, você sai com muitas sequelas”.  


Luiz lembra que não é possível saber quem ficará grave. “É uma roleta-russa. Conheço uma triatleta, com saúde de ferro, e ficou internada também. Estou aguardando ansioso a vacina, acredito muito nela. Que as pessoas comecem a ser vacinadas logo”.  


Amputada  


A ajudante geral Lucília Monteiro da Silva, de 49 anos, é outra que se recupera dos traumas físico e psicológico deixados pelo coronavírus. Todo começou em maio, quando ela foi internada com a doença. Saiu em uma semana, mas, isolada em casa, viu a mão ficar roxa e o braço formigar: era uma trombose, situação comum em pacientes com covid-19.  


“Foi novamente para o hospital e fiquei 40 dias internada. Passei por quatro cirurgias, mas não teve jeito, precisaram amputar minha mão e parte do braço. Eu tenho diabetes, então agravou. Agora sigo na reabilitação e reaprendendo a fazer as coisas, tentando ter uma vida normal”, diz ele.  


Lucília ressalta que tem as piores lembranças do tempo de internação. “Vi pessoas morrendo com covid, outras ficando com sequelas. Deus teve misericórdia de mim e não me levou. As pessoas precisam tomar cuidado”.  


Sensação ruim  


A artista visual Simone Maria dos Anjos, de 46 anos, começou no final de novembro, com febre e dor no corpo. Os exames deram positivo para coronavírus. Ela não foi internada, segue em casa. Conta piorou e a sensação é muito ruim, três semanas após iniciar os sintomas.  


“Do sétimo dia em diante, fique com febre mais alta, diarreia e um cansaço absurdo, que ainda persiste. Há uma enorme desinformação por parte dos médicos, e entre pessoas comuns é ainda maior. Não sei quanto tempo posso estar com o vírus no corpo e contaminando. Também não temos certeza alguma de imunidade, já há casos de reinfecção”, diz.  


Simone acha que é preciso rever o comportamento coletivo e as questões de sanidade pública. “Há uma falta de vontade da maioria dos governantes de se tornarem impopulares, com isso temos regras muito flexíveis e fiscalização parca. Aliada a uma extrema falta de consciência coletiva”. 


Parte cognitiva comprometida  


Pacientes internados por longo período apresentam sarcopenia, que á a perda de massa muscular que os torna fracos e com dificuldades para realizar tarefas rotineiras. Porém, os infectados pelo coronavirus têm um problema a mais: a alteração cognitiva, ou seja, do raciocínio.  


Quem explica é o médico fisiatra Celso Vilella Matos, diretor técnico do Centro de Medicina de Reabilitação Lucy Montoro, em Santos. O local, do Governo do Estado, atualmente atende cerca de 10 pacientes que ficaram internados com covid-19 e ainda há fila de espera. Os atendidos fazem sessões de 4 horas, duas vezes por semana, com equipe multidisciplinar que envolve oito profissionais, como médico, fisioterapeuta, nutricionista e fonoaudiólogo. 


“Percebemos que pacientes com internação prolongada sem covid não ficam tão sarcopênicos e nem têm alteração cognitiva. Os com covid têm muita sarcopenia e bastante alteração cognitiva, provavelmente por conta do vírus”, explica o médico, que destaca também problemas psicológicos nessas pessoas.  


Além disso, Matos ressalta que há pessoas amputadas em reabilitação. “Tenho dois pacientes, de membro inferior e de superior. Fizeram trombose por causa da covid e precisaram de amputação. Tem paciente com AVC isquêmico devido à covid também”.  


O médico diz que as sequelas motoras envolvem alteração de movimento, da marcha e tremor. “O trabalho da reabilitação foca em reorganizar o paciente, os movimentos, ganhar massa muscular. Muitas vezes com suplementação nutricional e tratando a parte neuropsicológica. A maioria evolui bem em três ou quatro meses. Poucos demoram mais e ficam com alguma sequela residual, que a gente ainda não sabe se vai melhorar no futuro ou será definitivo”.  


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