Idosos da Baixada Santista superam limites e falam sobre experiências vividas na pandemia

Idosos falam sobre medos e ensinamentos desde o início do distanciamento social

Por: Tatiane Calixto  -  09/05/21  -  10:47
Atualizado em 09/05/21 - 12:14
  Ideia é criar um conjunto de políticas públicas para auxiliar o retorno dos idosos ao mercado
Ideia é criar um conjunto de políticas públicas para auxiliar o retorno dos idosos ao mercado   Foto: Matheus Tagé/AT

Em março de 2020, o termo grupo de risco caiu como uma bomba na vida de muitos idosos. A necessidade de protegê-los contra o coronavírus e a mudança radical de hábitos fez com que muitos se sentissem um peso na vida das famílias. Mas, como tempo e sabedoria andam lado a lado, com o passar dos meses, o conhecimento sobre a covid-19 mostrou que não apenas os mais velhos corriam risco e a idade poderia ser um trunfo na hora de enfrentar a realidade difícil de uma pandemia.


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Assim, muitos idosos estão sendo exemplo de resiliência, capacidade de aprender a qualquer tempo e de muita vontade de viver. Betty Teruel, 65 anos, comemora a vacina tomada há alguns dias e também a nova ‘ocupação’. Ela conta que chegou a participar de quatro eventos on-line em um dia e brinca que os filhos a apelidaram de youtuber.


"Eu aprendi muito sobre tecnologia e as reuniões on-line. Meus filhos até brincam comigo. Eles moram em outras cidades e até nisso ajudou muito”, conta. Contudo, isso não significa que seja fácil viver esse momento. Betty afirma que sente falta dos abraços e do contato que a pandemia tem impedido, algo que não pode acontecer no mundo virtual.


Célia Migues, 70 anos, sabe o quanto esse contato faz falta. No meio da pandemia, Célia foi avó pela primeira vez. A tecnologia ajudou muito, já que a neta nasceu em dezembro de 2020 e a família decidiu que não daria para ter um encontro presencial naquele momento.


A tela do celular foi a forma encontrada para a avó coruja admirar a netinha.


Também pelo celular, ela estreitou os vínculos com outras avós, de primeira viagem como ela ou mais experientes, em um grupo do WhatsApp. “A interrupção das atividades presenciais me soou como um grande desafio e confesso que, para mim, foi uma grande surpresa saber que a gente pode se adaptar”.


Reinvenção


Da mesma forma que a sociedade precisou se reinventar, os idosos também tiveram. Se a tecnologia foi um desafio a uma geração que nasceu conectada, para quem viveu boa parte da vida sem internet a mudança foi ainda maior.


“Para mim, que quando era criança não tinha TV, um encontro como esse (virtual) é um milagre. Tenho que curtir esse momento”, diz, otimista, Guilherme Gargantini, de 81 anos.


Reinvenção, por sinal, é uma palavra que combina com ele. Guilherme está à frente do Divertidosos, um site que para pessoas com mais de 50 primaveras com o intuito de atualizar, dar dicas de informática e promover outras atividades. Acabou virando também um grande grupo de amigos que se reúnem para passeios e promover encontros.


Preocupação


Com a pandemia, esses encontros foram cancelados e a preocupação de Guilherme foi que os amigos pudessem entrar em depressão. Foi quando nasceu o pandebingo - bingos on-line durante a pandemia da covid-19.


“Eu não fico na solidão. Tenho uma neta de 37 anos que está grávida de gêmeos, vou ser bisavó de um casal, e ela diz que eu sou um exemplo”, diz, orgulhoso.


Lidar com o luto é um desafio diário


Ainda que a tecnologia tenha aberto uma janela de oportunidades, ela não esconde a realidade da pandemia. Lidar com o luto e as dificuldades dessa fase também é um desafio diário.


“É um momento muito difícil esse que a gente vive. Tem sempre a notícia de que morreu alguém. Um usa máscara, mas o outro não”, conta João de Freitas, 68 anos.


Porém, ele sabe que cada um precisa fazer a sua parte. Mesmo tendo tomado a primeira dose da vacina, continua usando máscara e seguindo todos os protocolos. Encontrou na observação e nos cuidados com os pássaros que aparecem no quintal uma forma de trazer leveza ao dia a dia e fortalecer a fé e a esperança. Aliás, fortalecer a própria fé também tem ajudado Célia. “Eu não tenho uma religião formal, mas agora ninguém quer morrer e deseja que as pessoas vivam. Então, a fé se fortaleceu. Tanto que, no Dia das Mães do ano passado, minha filha me deu uma imagem de Santa Rita de Cássia”.


Para Maria do Carmo, de 69 anos, a religiosidade e conexão com Deus tem ajudado a enfrentar o momento. Vacinada com as duas doses, ela aguarda a imunização para o filho com deficiência.


Um outro olhar


Marina Darin, 73 anos, reconhece que a pandemia trouxe muitas perdas, mas prefere olhar tudo por um outro prisma. “Fomos buscar e encontramos outros caminhos para sobreviver”.


Para Ivani Cardoso, jornalista e pesquisadora sobre temáticas de envelhecimento, o relato dos idosos é extremamente rico e mostra que ter projetos de vida faz a diferença na hora de enfrentar momentos difíceis. Além disso, ela frisa o quanto esses idosos estão aproveitando a sabedoria para encontrar oportunidades em meio à crise.


Pressão familiar precisa ser dosada


Para José Osvaldo Teixeira Junior, programador cultural do Sesc Santos, muitos idosos conseguiram se reinventar e buscar aprendizado neste momento de pandemia. Porém, a covid-19 vem exigindo muito desta parcela da sociedade. Para ele, o novo coronavírus acentuou o ageísmo, que é o preconceito contra o idoso, além deles terem sido muito pressionados a conviver com tecnologia.


“No começo da pandemia, veio a questão de grupo de risco e isso é muito perigoso. Esse rótulo fez com que o preconceito fosse muito acentuado e trouxe sofrimento. Muitos idosos são abandonados pela família e ficam sozinhos. Com a pandemia, acabaram ainda mais isolados. Não são todos, mas eles sofreram bastante”.


Teixeira reconhece que, a muitos, o mundo digital ajudou e está sendo uma grande aventura. “Eles realmente estão navegando na internet e se redescobrindo”. Porém, ele alerta que é preciso pensar nos idosos que não têm acesso à internet e estão cada vez mais excluídos e, por outro lado, ouvir essa população que tem muito a ensinar.


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