Fundação Gol de Letra usa o Esporte e a Educação para ajudar jovens de comunidades carentes

Raí, ex-jogador de futebol e presidente da fundação, conta detalhes sobre o projeto

Por: Redação  -  03/10/21  -  09:14
  Foto: Divulgação

Entrevista com Raí, ex-jogador de futebol e presidente da Fundação Gol de Letra


Por que a Fundação Gol de Letra escolheu o Esporte e atividades educacionais como foco em comunidades carentes?


A Fundação Gol de Letra é a realização de um velho sonho que eu e o Leonardo tínhamos de criar um projeto social que fizesse a diferença para crianças e jovens e suas comunidades. Quando jogamos juntos na França (1996 e 1997), ficamos muito impressionados com o sistema educacional francês. Minha filha estudava na mesma escola que a filha da faxineira da minha casa e nós queríamos, e ainda queremos, isso para o Brasil.


Mas vocês já tinham um foco para esse trabalho desde o início?


Não. No início eu não tinha claro o que queria fazer, mas a gente foi afinando as ideias: em primeiro lugar, era usar a imagem de dois atletas com popularidade para mostrar para o país o que era possível fazer. A segunda ideia era pegar uma região desfavorecida de São Paulo e desenvolver um projeto educativo. A gente foi se aprofundando na questão educacional. E fomos vendo que não ia ser uma ação exclusivamente com o esporte, mas sim utilizar o poder do esporte para chamar a atenção, para lutar pela causa maior que era a educação. Pensamos em uma organização que oferecesse para crianças e jovens da periferia de nossas cidades uma segunda perspectiva de futuro, diferente daquela determinada pelo meio em que nasceram e foram criados. Hoje, esse sonho é a Fundação Gol de Letra, uma ONG com 20 anos de muitas histórias.


Por que as comunidades escolhidas foram Vila Albertina (SP) e Caju (Rio)?


A ideia era atuar em algum lugar de São Paulo, mas não sabíamos onde. Chegamos ao Governo do Estado de SP e falamos com a Lila Covas. Ela dispôs para nós uma série de prédios desocupados. Escolhemos a Vila Albertina e o Governo cedeu o prédio que era de uma Escola Estadual que não estava em funcionamento na época. Foi lá que começamos a atuar, em 1999. A Vila Albertina fica na Zona Norte de São Paulo, é uma comunidade constituída a partir de ocupações informais. Uma região caracterizada pela oferta insuficiente de espaços educativos, culturais e de lazer para crianças, adolescentes e jovens. Em 2006 começamos a atuar também no Caju, no Rio de Janeiro. O bairro fica na zona portuária do Rio, na divisa entre o centro e a zona norte da cidade e é formado por um complexo de oito comunidades, marcadas pela violência e baixa escolaridade da população.


Como é feita a escolha das crianças e jovens atendidos na fundação?


A prioridade é para os mais vulneráveis, contudo, nosso objetivo é atender ao máximo as famílias interessadas em matricular seus filhos. A inscrição é feita pelos responsáveis junto a uma equipe de assistência social, que faz o atendimento social dessas famílias durante todo o período que elas estão conosco. A entrevista social nos ajuda a entender quais são as condições sociais e as necessidades daquela família. Como exigência, tem que morar no bairro e a criança ou adolescente tem que estar matriculado na escola.


Em duas décadas de atuação, é possível descrever as 'colheitas dessa plantação'?


São 21 anos de atuação, então, com certeza as ações da Fundação Gol de Letra deram muitos frutos. Nós temos 7 programas em execução, sendo 3 em SP e 4 no RJ, e com eles conseguimos atender cerca de 4 mil crianças, adolescentes e jovens todos os anos. Ao todo, já foram mais de 20 mil impactados pelo trabalho da Fundação. Temos mais de 10 prêmios no terceiro setor. Fomos vencedores do prêmio Itaú-Unicef de Educação Integral – Categoria Nacional em 2013 e Semifinalista Regional em 2017. Também recebemos o prêmio 100 Melhores ONGs em 2017, 2018 e 2020. Em 2009 também iniciamos uma área de Disseminação, responsável por transferir toda a tecnologia social da Gol de Letra para outros locais onde não atendemos, sempre com parceria com uma instituição local que possa colocar nossa metodologia em prática, e um parceiro financiador dessas ações.


É possível, no seu entendimento, criar políticas públicas perenes focadas em cultura, arte, esporte, música, sem que fiquem sujeitos a mudanças de governo?


Já existem políticas públicas, mecanismos de fomento à educação, assistência, saúde, esporte, lazer, cultura, arte e outros nas três instâncias de gestão (federal, estadual e municipal). Elas vêm sendo importantes para a manutenção do trabalho social que se articula às políticas públicas, como é o nosso trabalho na Gol de Letra. Alguns exemplos: os marcos legais da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), consolidados nos anos 1990; a Constituição Federal, promulgada em 1988; o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), referendado em 1990; e a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), editada em 1993. Sobre estarem sujeitas às mudanças de governo, não temos controle sobre isso, mas podemos sempre pleitear a continuidade desses mecanismos e políticas de parceria público-privada por meio da transparência das parcerias, da coleta de dados e produção de resultados que mostrem o quanto a articulação entre diferentes setores promove maiores chances de desenvolvimento social.


Como a fundação se sustenta?


O trabalho da Fundação Gol de Letra é viabilizado por meio de investimentos públicos e privados, leis de incentivo, além de parcerias e doações de empresas, institutos e pessoas físicas que contribuem para a manutenção de nossas atividades.


Quantas crianças e jovens já passaram pela instituição nesses 21 anos?


A Fundação tem a capacidade de atender, em média, 4 mil crianças, adolescentes e jovens todos os anos. Ao todo, já alcançamos a marca de mais de 20 mil atendidos ao longo dos anos, sem contar todas as pessoas indiretamente impactadas pelo nosso trabalho, como familiares e outros membros da comunidade que participam de nossas ações abertas.


Como medir sua eficiência nos fins a que a fundação se propõe?


Nós promovemos um processo de avaliação permanente das aprendizagens, que tem metodologia própria, é qualitativo e conta com participação ativa do público. Além disso, realizamos pesquisas com as famílias e parceiros para captar sua visão e sugestões de melhoria do nosso trabalho. Outra forma de verificar os resultados é a manutenção de uma participação constante das comunidades em eventos, reuniões e atividades complementares que nos permitem medir o avanço de nosso trabalho. É difícil hoje conseguir recursos para uma avaliação constante de impacto e por isso leva-se mais tempo para desenvolver métodos próprios para essa mensuração do quanto a organização promove mudanças ao longo dos anos. Mesmo assim, pelo processo que adotamos, é possível medir aprendizagens específicas, assim como podemos medir as expectativas e metas construídas pelos atendidos em relação a presente e futuro.


Alguma história que tenha te marcado entre tantas que já passaram pela fundação?


Tem duas histórias que me marcaram, entre tantas. Uma é mais pessoal, de uma garota que deveria ter uns 14 anos na época. A Fundação foi participar de um evento esportivo. Foram dois ônibus ao evento, cheios de crianças, educadores e monitores. Durante o evento, essa garota participou de uma corrida de 50m e chegou em segundo lugar, e todo o pessoal da Fundação torcia muito por ela. No final, ela chegou chorando e abraçou nosso educador, soluçando. Ele perguntou se ela chorava de felicidade por ter chegado no segundo lugar ou tristeza por não ter chegado em primeiro, e ela, quando se acalmou, disse que estava chorando não por ter perdido ou chegado em segundo, mas porque nunca teve tanta gente torcendo por ela na vida. Acho isso bem simbólico, mostra o que representa a Fundação e o trabalho que fazemos, a forma como um momento como esse impactou na vida dela. Outra história marcante é uma conquista. Temos um programa de formação de monitores esportivos na Fundação, eles são jovens líderes da comunidade que recebem formação para que ampliem a cultura esportiva e sejam capazes de mudanças de perspectivas de vida, tornando-se multiplicadores de práticas esportivas e de lazer. Com isso, eles se tornam agentes multiplicadores de conhecimentos e atitudes, uma referência para os educandos. Essa metodologia desenvolvida pela Fundação foi inspiração para o que é hoje o Curso Técnico em Esportes e Atividade Física do Centro Paula Souza, do Governo do Estado de São Paulo, que acontece em parceria com a Gol de Letra até hoje.


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