Educação midiática é o caminho para democracia, dizem especialistas

É preciso ensinar crianças e jovens a fazer a leitura crítica dos conteúdos

Por: Arminda Augusto  -  24/10/21  -  09:03
 Educação midiática é caminho para democracia, dizem especialistas
Educação midiática é caminho para democracia, dizem especialistas   Foto: Reprodução

Não basta ampliar os acessos à tecnologia, oferecer internet a todos os ambientes escolares, é preciso ensinar crianças e jovens a fazer a leitura crítica dos conteúdos, identificar notícias falsas e, principalmente, entender que essa leitura crítica fortalece a democracia e a sociedade.


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Esses foram alguns dos conceitos debatidos por especialistas que participaram, na sexta-feira, de audiência pública promovida pelo deputado estadual Caio França (PSB), “O papel da educação midiática no combate à desinformação e fortalecimento da democracia”. A audiência foi virtual e está disponível no canal do YouTube da Assembleia Legislativa de São Paulo.


Caio convidou um time de especialistas em Educação e Mídia para debater conceitos que vêm surgindo na esteira das discussões sobre a propagação de fake news. “A ideia de trazer para dentro da Assembleia de São Paulo surgiu após a CPI da Fake News, que tinha por objetivo investigar as fake news nas eleições de 2018. As discussões trouxeram à luz a origem e como combatê-las. É preciso formular políticas públicas que possam ajudar. Entendemos que esse processo passa, necessariamente, pela educação”, disse, na abertura da audiência.


Todos viraram produtores
Para Alexandre Le Voci Sayad, copresidente do Comitê Diretor Internacional de Alfabetização Midiática e Informacional da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), a educação midiática não se restringe à escola, é multidisciplinar, multisetorial. “Temos que começar com a ótica da educação, mas só sob a educação escolar não basta”.


E o que é a educação midiática? Alexandre explica: um conjunto de habilidades e competências para se expressar, ler, analisar e ser um aprendiz crítico e independente no mundo. Ser educado midiaticamente significa estar pronto para a democracia, saber encontrar a informação correta, valorizar a ciência, exercer a cidadania plena do mundo hoje, evitar a propagação de fake news e desinformação.


“De repente, todo mundo virou produtor de conteúdo, diz ter a verdade, distribui esse conteúdo, quer impor sua verdade aos outros. As agências de checagem de informação são cada vez mais importantes”.


Não só Fake News
Alexandre estende os riscos da internet para além das fake news. “Informar-se com qualidade é fruto da educação midiática. O risco não é só com fake news, mas com a informação mal apurada, a informação distribuída descontextualizada, a informação sem todos os lados ouvidos. Isso tudo é risco para a democracia”.


“Para que a informação e a liberdade de imprensa de fato exerçam o papel de bem comum precisam estar ligadas à educação midiática. O cidadão precisa estar preparado para saber interpretar o que lê, o que escuta, o que distribui”.


Papel de formar também é da Mídia
Natália Leal, jornalista da Agência Lupa, uma plataforma de combate à desinformação por meio de checagem de conteúdos, defende que o debate sobre a desinformação precisa ser ampliado. “Precisamos educar a sociedade como um todo. Percebemos que não bastava apenas contribuir com o jornalismo, mas também ajudando a formar o consumidor de informação, para que ele saiba identificar, tenha esse espírito crítico”.


Há mais de 40 projetos de lei transitando no Congresso sobre combate a fake news, e poucos citam a educação midiática como saída, pondera Natália. “Essa discussão é importante, porque há impactos no dia a dia: um deles é a própria participação do cidadão no debate eleitoral e nas eleições. A educação midiática é, também, uma ferramenta de combate à desigualdade social”.


Na palma da mão
“O universo da tecnologia nos trouxe uma abundância de informação, precisamos ter novas habilidades na hora de ler e escolher o que recebemos na palma da mão. Estamos o tempo todo ligados a uma tela: celular, computador, tudo é mediado por tela. Dormimos com o celular, acordamos com o celular, o tempo todo recebendo informação em diferentes formatos: notícia, entretenimento, piada, fofoca. Há uma pulverização de autorias, qualquer um de nós pode consumir, produzir e distribuir esse conteúdo a qualquer tempo, da forma como escolhermos, para onde escolhermos”, diz Patrícia Blanco, presidente-executiva do Instituto Palavra Aberta, entidade sem fins lucrativas que defende a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.


Se é positivo ver que a internet deu espaço a todas as manifestações e vozes da sociedade, também é preciso cuidado com quem recebe essa pulverização de conteúdos. “Muitas vozes estão podendo colocar suas opiniões, mas há a necessidade de quem recebe saber identificar de quem é essa autoria, saber interpretar o que está lendo”.


“Esse universo de fartura de informação que circula na internet chega para muitas pessoas que têm baixo letramento, dificuldade de interpretar esse conteúdo. 42% da população tem algum tipo de dificuldade em interpretar a linguagem”, diz Patrícia.


Estudantes não sabem diferenciar conteúdos
Pesquisa feita pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou que 67% dos estudantes de 15 anos no Brasil não sabem diferenciar fatos de opiniões quando fazem leitura de textos. “A familiaridade dos adolescentes atuais com a tecnologia, que faz deles nativos digitais, não os torna automaticamente habilitados para compreender, distinguir e usar de modo eficiente o conhecimento disponível na internet. Pelo contrário, os dados sugerem que eles são, em grande parte, incapazes de compreender nuances ou ambiguidades em textos online, localizar materiais confiáveis em busca de internet ou em conteúdo de e-mails e redes sociais, avaliar a credibilidade de fontes de informação ou mesmo distinguir fatos de opiniões”, diz Patrícia Blanco, do Instituto Palavra Aberta.


“Alfabetização no século 21 significa parar e olhar para os lados antes de seguir adiante online. Significa checar os dados antes de basear sua opinião neles. Significa fazer perguntas sobre a fonte de informação: quem escreveu isso? Quem fez esse vídeo? É de uma fonte confiável? Ele faz sentido? Tudo isso cabe ao currículo escolar e à formação de professores. E tudo isso tem implicações que vão muito além de identificar notícias falsas: assegurar o ato de tomada de decisões bem informadas”, diz Andreas Schleicher, diretor de Educação da OCDE, que não participou da audiência, mas foi citado por Patrícia.


BNCC
A nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), explica a presidente do Palavra Aberta, prevê várias oportunidades de inserir a educação midiática no currículo, porque falam de competências, habilidades, atitudes e valores essenciais: fluência digital, desenvolvimento do pensamento crítico, empatia e cooperação, responsabilidade e cidadania, entre outras.


“O primeiro eixo dessa discussão é treinar a leitura reflexiva, o olhar para saber o que é falso, fora de contexto, dado manipulado para desvirtuar uma informação. Outro eixo é o escrever, porque todos acabamos distribuindo conteúdos também. O terceiro eixo é o que consolida: se eu sei ler e me expressar nesse ambiente, eu consigo participar melhor como cidadão, respeito o outro, não compartilho conteúdos de ódio ou falsos, exerço plenamente minha liberdade de expressão”.


Da audiência pública também participaram Claudemir Edson Viana, secretário-executivo da Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEducom) e professor em Educomunicação na USP, e Debora Albu, coordenadora do Programa de Democracia e Tecnologia do Instituto e Sociedade (ITS-RJ).


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