Dia do Trabalho: os desafios do mercado em tempos de pandemia

Especialistas e trabalhadores da Baixada Santista falam sobre experiências e expectativas no cenário trabalhista

Por: Régis Querino  -  01/05/22  -  06:38
Em tempos de pandemia, o trabalho remoto passou a ser utilizado em muitas profissões
Em tempos de pandemia, o trabalho remoto passou a ser utilizado em muitas profissões   Foto: Adobe Stock

Comemorado em vários países do mundo, o Dia do Trabalho é repleto de desafios à classe trabalhadora brasileira em tempos de pandemia. Com quase 12 milhões de desempregados no País, segundo dados divulgados pelo IBGE na semana passada, a sobrevivência de muita gente passa pelo mercado informal, por uma mudança drástica de atividade profissional ou pela adequação às novas regras sanitárias e trabalhistas impostas pela covid-19.


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“A pandemia antecipou em pelo menos uma década uma série de fatores do universo laboral que ocorreria de qualquer forma. As ‘novas’ (antigas) formas de trabalho já ocorriam em alguns setores. O teletrabalho veio para ficar e as empresas estão ainda se adaptando para sistemas híbridos, quando possível, com atividades presenciais parciais e maior flexibilidade de horários”, comenta Wagner José Tedesco, professor de Psicologia Organizacional e do Trabalho da Unisantos.


As mudanças, diz Tedesco, geram ganhos para empresas e trabalhadores, como a redução de despesas e o aumento da qualidade de vida, mas exigem adequações no perfil dos colaboradores. “Eles precisam desenvolver habilidades digitais e tecnológicas para se manterem empregados ou para conquistarem empregos. A capacidade de organização, planejamento, comunicação, interação com a equipe de trabalho, presencial ou digital, flexibilidade, adaptabilidade, resiliência e comprometimento são fatores cada vez mais exigidos e valorizados pelas empresas”.


Wagner Tedesco:
Wagner Tedesco:   Foto: Arquivo Pessoal

Professora de Economia e Gestão de Negócios da Unimes, Fernanda Coelho concorda que o teletrabalho é uma realidade e aponta a telemedicina como um exemplo bem-sucedido, porque “democratizou a medicina privada no Brasil, com um custo mais baixo de operação e, consequentemente, para o consumidor”. Neste cenário em transformação, ela salienta que a mudança nos hábitos de consumo vai impactar o mercado.


“A gente não consome da mesma forma que consumia antes, daí a explosão do e-commerce. E não estamos preparados, em termos de desenvolvimento de uma logística eficiente. Não tem pessoas que possam preencher esses espaços que foram criados. Essas transformações também vão levar à redução e eliminação de alguns postos de trabalho, mesmo que a gente entre num ciclo virtuoso da economia”, observa.


Para a professora, os postos de trabalho que estão sendo criados no e-commerce e no varejo eletrônico serão insuficientes para suprir o número de vagas extintas na pandemia. “Se formos pensar nisso, a conta nunca vai fechar. Daí a importância do trabalhador criar o seu próprio trabalho, empreender. Não vai ter mais caixas de supermercado, como a gente tem visto. Não tem mais gente dizendo que o sonho da vida é ser bancário, trabalhar num caixa de banco”, pontua.


Fernanda Coelho:
Fernanda Coelho:   Foto: Divulgação Unimes

Prós e contras da tecnologia

Se o avanço da tecnologia colabora para a extinção de alguns trabalhos e profissões, ele também beneficia setores da economia. “O mercado de trabalho sofre alterações em função desse avanço de tecnologia, criando novos postos de trabalho, especialmente nas áreas de entretenimento, cultura, saúde e atendimento. As áreas de tecnologia, marketing digital, saúde e cuidado com o outro, onde se encaixam as áreas de enfermagem, psicologia, serviço social e medicina, continuam em franco crescimento e necessidade contínua de profissionais”, pondera Wagner Tedesco.


Apesar da ampliação do universo digital e do crescimento dos procedimentos remotos, as empresas não podem desumanizar as relações de trabalho, alerta o professor. “Esse também é um grande desafio para as empresas que atuarem de forma totalmente remota. Elas deverão ter momentos de integração, promover encontros presenciais e o desenvolvimento do contato humano, para que não se criem afastamentos e sofrimentos mentais. O trabalho continuará sempre exigindo as interações sociais e o trabalhador sempre sentirá falta desse contato”.


Fernanda Coelho também chama a atenção para alguns aspectos nessa “batalha” travada entre a máquina e o homem. “Todo trabalho muito mecânico é facilmente substituído por uma máquina, que trabalha sete dias por semana, não tem 13º e não precisa ficar com o filho quando esse está doente. As máquinas e os bancos de dados também envolvem armazenamento, computação, análise. No entanto, eles não são capazes de fazer algo superimportante, que é a nossa capacidade de reflexão”.


O potencial humano, a habilidade de criar conexão e o comprometimento são, na visão da professora, elementos fundamentais para ser bem-sucedido no trabalho. “Você não precisa fazer faculdade, mas precisa estudar, porque isso te leva à reflexão. A capacidade de olhar para o problema da empresa é a moeda de troca, independente de idade, status social, gênero. Essa capacidade de análise, aliada à tecnologia e ao conhecimento, vai ser o diferencial. O que não está no seu perfil do Linkedin? É isso que a empresa quer, porque o que está lá, com treinamento técnico, ela cobre. Agora ensinar a ser ético, ter disciplina, ser responsável e interessado é sua responsabilidade, está nas suas mãos”.


Maria Luiza: programa do Camps abriu horizontes

Maria Luiza Cunico de Assis tem apenas 18 anos, mas já pode comemorar a mudança em sua vida laboral desde que ingressou no programa Jovem Aprendiz, do Centro de Aprendizagem e Mobilização Profissional e Social (Camps) de Santos. Trabalhar de segunda a sexta-feira em horário comercial, com carteira assinada, recebendo um salário mínimo mensal e benefícios foi um salto em qualidade de vida para quem era garçonete, sem registro, e recebia só R$ 50,00 por dia.


Jovem Aprendiz do Camps, Maria Luiza trabalha na Profisc, da Prefeitura de Santos
Jovem Aprendiz do Camps, Maria Luiza trabalha na Profisc, da Prefeitura de Santos   Foto: Alexsander Ferraz/AT

“O Camps me deu a chance de ter uma carreira melhor. Trabalhando com carteira e tendo benefícios, eu posso ajudar a minha família. No outro serviço eu não tinha benefícios e trabalhava muitas horas para ganhar pouco”, diz ela, que mora com os pais e o filho Hector, de 1 ano, no bairro Paquetá, em Santos.


Auxiliar administrativa na Procuradoria Fiscal do Município de Santos há um ano, ela ajuda no trabalho burocrático do setor e faz serviços externos encaminhando documentos ao Fórum. Além da atividade na Profisc, que pelo contrato do Jovem Aprendiz vai até agosto, ela já definiu a próxima meta: entrar na faculdade.


“Penso em fazer Química, porque a área de exatas sempre me interessou. Gosto de assistir CSI Miami por causa das experiências com os reagentes químicos”, conta a garota, que ao contrário dos personagens do seriado americano, não se vê trabalhando futuramente na área policial. “Quero a área industrial”.


Estudando para fazer o Enem, ela faz, paralelamente, um curso preparatório para administração, ministrado pelo Camps. “Também fiz um curso de informática no Camps, com o pacote office completo, e robótica e linguagem de programação no Avelino (da Paz Vieira, escola municipal)”, enumera Maria, certa de que o caminho aberto lhe reserva um futuro promissor.


Lina: inspiração nas filhas para criar o próprio negócio

As filhas foram a inspiração para Roseline Leal de Sá, a Lina, de 35 anos, empreender e ter a sua própria empresa. Como sempre comprava acessórios de cabelo para a mais velha, Mariana, ela passou a criar as próprias peças quando a mais nova, Isabella, nasceu há seis anos. Da produção para uso familiar, Lina começou a vender tiaras e laços para as amigas das filhas. Foi o início em um mercado promissor.


No ateliê em sua casa, Lina produz os acessórios, que revende pela internet para todo o Brasil
No ateliê em sua casa, Lina produz os acessórios, que revende pela internet para todo o Brasil   Foto: Matheus Tagé/AT

“Eu fazia artesanato, telas e esculturas, mas os acessórios me chamavam atenção. Quando a Isabella nasceu, a vontade cresceu e comecei a fazer pra elas (filhas) e a vender para amigas no Sesc. Algumas pessoas me diziam para vender na frente de escolas, mas eu tinha vergonha. Um dia tomei coragem, coloquei um expositor na bicicleta e fui numa escola particular na Ponta da Praia. Vendi muitas peças e me empolguei. Passei a ir todo dia da semana em uma escola particular diferente”, conta ela.


O negócio ia bem, mas aí veio a pandemia... Escolas fechadas, lockdown, pouquíssima gente na rua... O cenário era desanimador, mas Lina resolveu apostar em sua página em uma rede social. “Eu já tinha o Instagram, mas não levava muito a sério. Tive que me reinventar e comecei a investir postando vídeos, mostrando os pedidos. O negócio foi crescendo e me dando muito orgulho, porque as clientes amam o meu trabalho, dão feedbacks positivos, me incentivam”, afirma.


O sucesso da Maribella Acessórios na rede social fez o negócio decolar. Literalmente. Hoje, Lina vende os seus produtos para clientes de várias partes do Brasil. São cerca de 350 peças por mês, entre tiaras, laços, presilhas e clipes de cabelo infantis e adultos. “A vida é uma correria. Vendo pelo correio, entrego na casa das clientes e meu marido também ajuda nas entregas”, comemora Lina.


Com mais de 12 mil seguidores no Instagram e muitos pedidos agendados, ela planeja contratar duas pessoas para trabalhar na produção e venda dos acessórios. A abertura de uma loja física em sua casa, na Ponta da Praia, em Santos, e um curso para ensinar a fazer laços, também estão nos planos da empreendedora.


Eduardo: realização no setor público

O enfermeiro Eduardo Gomes da Silva trabalhava como gestor de uma empresa privada de ambulâncias em Santos, quando, em 2018, notando uma queda no mercado do setor, voltou a estudar vislumbrando oportunidades em concursos públicos. “Percebi que o mercado de trabalho não estava tão favorável e por conta da idade, estudei para entrar em um concurso”, conta ele, que à época tinha 44 anos.


O enfermeiro Eduardo viu a sua vida profissional mudar para melhor depois que passou em um concurso público
O enfermeiro Eduardo viu a sua vida profissional mudar para melhor depois que passou em um concurso público   Foto: Arquivo Pessoal

Coincidência ou não, o feeling de Eduardo se mostrou certeiro, porque naquele mesmo ano, depois de oito anos de trabalho, ele foi desligado da empresa santista. O cenário, no entanto, não chegou a ser preocupante, já que meses antes da demissão, ela havia passado em um concurso público. Ficou seis meses desempregado até ser chamado pela Prefeitura de Praia Grande para trabalhar como diretor de urgência e emergência do Samu da Cidade. Hoje, aos 48 anos, ele celebra a mudança.


“São várias as vantagens, como a estabilidade adquirida depois de três anos de período probatório, os benefícios inclusos no salário, que é bem maior, e as gratificações. E, principalmente, não tenho problemas relacionados a perseguição, comuns na nossa área. Trabalhamos sob pressão, pela característica da função, mas as instituições privadas sobrecarregam os funcionários. É comum ver colegas sofrendo com a Síndrome de Burnout (síndrome do esgotamento profissional) e com medo de perder o emprego”, relata.


Contabilizando o saldo positivo e a decisão acertada tomada quatro anos atrás, Eduardo viu a sua rotina profissional e pessoal se transformar. “Minha vida mudou radicalmente (para melhor). O estudo é que faz tudo, sem estudar a gente não consegue nada”, aconselha.


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