Desigualdade racial é corporativa, afirmam especialistas

Nos primeiros seis meses, apenas 20,7% dos contratados para cargos de chefia na Baixada Santista eram negros

Por: Tatiane Calixto & Da Redação &  -  04/10/20  -  17:12
Na Baixada Santista, apenas 20,7% dos contratados para cargos em liderança eram negros
Na Baixada Santista, apenas 20,7% dos contratados para cargos em liderança eram negros   Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Nas últimas semanas, o programa de trainee do Magazine Luiza destinado exclusivamente a pessoas negras levantou polêmica. Apesar disso, empresas em todo o País começam a adotar estratégias semelhantes não apenas para aumentar a diversidade em seus quadros gerais, mas garantir representatividade também em posições de liderança. O caminho, porém, é longo. 


Na Baixada Santista, por exemplo, nos primeiros seis meses de 2020, apenas 20,7% dos contratados para cargos em liderança eram negros (pardos ou pretos). O levantamento foi feito pelo Quero Bolsa plataforma de vagas e bolsas de estudo no Ensino Superior, a pedido de A Tribuna, utilizando os dados do Cadastro Geral de Empregado e Desempregados (Caged). 


Foram analisadas todas as contratações de ocupações de direção e gerência de pessoas com diploma de Ensino Superior, no primeiro semestre do ano. Ao todo, na região, foram 222 admissões desse tipo. Dessas, 46 foram de negros (20,7%) e 143 (64,4%) de brancos. O restante não se autodeclarou de nenhuma raça. 


Além disso, os números mostram que os profissionais negros recebem menos que os brancos nestes mesmos cargos. O salário médio de um profissional branco foi de R$ 7.133,07, enquanto o de um negro foi de R$ 5.591,69. 


Gênero x raça 


Quando se faz o recorte de raça, chega-se ao cenário em que homens negros representam apenas 9% dos cargos de liderança. Olhando para mulheres negras, esse percentual é de 11,7%. No caso de homens brancos, a taxa representa 34,23%. 


2019


Em todo o ano de 2019, o cenário do Estado de São Paulo é ainda mais desigual. Das 58.083 admissões desse tipo, 2.140 foram de negros (3,68%) e 41.042 (70,66%) foram brancos (o restante não se autodeclarou).


Na questão salarial, a desigualdade é menor que na Baixada Santista. O salário médio de um profissional branco foi de R$ 8.692,41, enquanto do negro R$ 8.056,41. 


Enfrentamento


Apesar de tudo, o vicentino Renato Fonseca, 51 anos, garante que é possível romper com as dificuldades. Aliás, sua própria trajetória é a prova. Depois de passar por várias empresas, hoje, morando em São Paulo, ele lidera uma célula de negócios de uma multinacional que, só no Brasil, conta com 14 mil funcionários. 


Neste ano, apareceu na lista da revista Forbes entre os 10 profissionais negros de destaque na área tecnológica. “Existem, sim, situações de racismo. Mas isso não pode nos parar”, afirma. 


Ele reconhece que na área de tecnologia, com a necessidade de qualificação específica com mudanças constantes, as situações relacionadas à cor da pele são menores e as empresas ficam mais atentas ao conhecimento. Mas aconselha que todos estudem bem o mercado, se qualifiquem e enfrentem as dificuldades. 


“Agora, para as empresas, é muito importante que elas sejam transparentes. Seria importante informar quantos negros participam dos processos seletivos, quantos são aprovados e mais: informar para aqueles que não passaram no processo o motivo. Esse tipo de exigência e transparência ajudariam a combater situações de discriminação”.


Cenário é alarmante, afirmam especialistas


Scarllet Rodrigues e Marina Ferro atuam na área de Práticas Empresariais e Políticas Públicas no Instituto Ethos, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público que trabalha para mobilizar e ajudar empresas a atuarem de forma socialmente responsável. Segundo elas, o cenário brasileiro é alarmante quando se trata de questões de raça e etnia. 


As especialistas analisam que a população negra brasileira vivenciou – e ainda vivencia – múltiplas formas de exclusão social e violências, em consequência do racismo estrutural. Assim, apesar de ser a maioria da população (56,2%, segundo IBGE), os negros representam 75% das vítimas de homicídios. 
Quando aplicado o recorte de gênero, observam, as mulheres negras têm duas vezes mais chances de serem assassinadas do que as mulheres brancas. 


“Apesar dos avanços e melhorias, ainda são evidentes as desigualdades. Desta forma, é mais que necessário o olhar focado na inclusão da população negra, tendo em vista o acirramento das desigualdades sociais, a fragilização dos direitos humanos e o desmonte no que toca os direitos trabalhistas”, avalia Scarlett Rodrigues, analista de Projetos em Práticas Empresariais e Políticas Públicas do Instituto Ethos.


Avanços


Para ela, é preciso reconhecer o avanço de uma grande empresa em possibilitar a inclusão de negros no mercado de trabalho. Entretanto, esse é apenas o primeiro passo. 


Para além dele, é preciso promover políticas internas que desenvolvam esses profissionais para que eles conquistem cargos de liderança. “O que precisa ser feito é trazer esse olhar no momento de recrutamento e contratação, combatendo os vieses inconscientes”, diz Scarlett. 


Mudança


Para Marina Ferro, gerente de Práticas Empresariais e Políticas Públicas do Ethos, para mudar esse cenário, é preciso reconhecer que existe o racismo estrutural e que ele tem impedido que negros e negras alcancem seu potencial. 


“A partir disso, entendendo que as empresas possuem um papel extremamente relevante na sociedade e a fim de colocar em prática a responsabilidade social, é necessário combater a sub-representação dos negros no mercado de trabalho, através de iniciativas como a do Magazine Luiza”. 


E segundo Marina, não se pode parar por aí, há a necessidade de se continuar promovendo políticas que combatam a desigualdade “Seguimos afirmando que trabalhar a agenda de inclusão e diversidade é transformar a sociedade. Isso porque atua diretamente na redução da violência e do estado de vulnerabilidade social, proporcionando um mercado mais justo, sustentável e sem violações de direitos”, diz.


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