Desamparo estatal leva jovens ao crime, diz fundadora do Conselho dos Direitos da Criança de Santos
Cofundadora do CMDCA de Santos vê falta de políticas públicas para os adolescentes vulneráveis
![Tarefa não é só do Estado. É preciso que a sociedade também participe](http://atribuna.inf.br/storage/Cidades/Geral/img4499818311119.webp)
O desamparo estatal, aliado à desestruturação familiar, leva muitos adolescentes dessas comunidades a enxergar o crime como única opção para conseguir dinheiro, bens materiais e melhorar as condições de vida da família. Dos 245 internos nas unidades da Fundação Casa na Baixada Santista ouvidos pelo IPAT, 93,4% têm entre 15 a 18 anos. Em 2017, eram 93%.
“No Brasil não temos uma política de Estado, temos política de governo. Como posso exigir dever de alguém que nunca teve os direitos assegurados? Não temos política de cuidados desde a primeira infância, de se preocupar com a família. Por trás de uma criança ou de um adolescente abandonado, tem uma família abandonada”, alerta a professora da UniSantos Maria Izabel Calil Stamato, doutora em Psicologia Social.
Uma das fundadoras do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) de Santos, em 1990, e coordenadora da primeira eleição do Conselho Tutelar da Cidade, em 1991, Maria Izabel cobra efetividade no plano de atendimento ao interno, após o cumprimento da medida socioeducativa na Fundação Casa. E defende que as ações não se limitem ao adolescente infrator, mas ampliadas a sua família.
“A política pública não pode ser feita só com números. Tem que ter uma política intersetorial, não só interdisciplinar, que é de saberes, mas intersetorial, envolvendo educação, profissionalização, saúde e moradia. O adolescente tem que ser visto de uma forma integral. Daí a importância do Plano Individual de Atendimento (PIA), não só do interno, mas da família. Depois que ele vai pra medida aberta, o plano vai analisar todas as necessidades do adolescente”, diz.
A participação da sociedade civil na reinserção dos jovens que cometem atos infracionais também é fundamental no processo de ressocialização. “Não é uma questão só do Estado, mas da sociedade civil. Em Santos temos bons exemplos. O Sintraport promove cursos e tem projetos de inserção. O Restaurante-Escola faz um trabalho interessante e o Projeto Axé, do Arte no Dique, é bastante rico, abre caminhos. A profissionalização também envolve o adolescente trabalhar culturalmente”, aponta a professora.
Segundo Maria Izabel, a manutenção do vínculo dos jovens com a escola e o tratamento aos que apresentam quadro de uso abusivo de drogas são primordiais para a recuperação dos adolescentes. E para fazer frente às tentações do universo do crime é necessário ouvir os internos. “Os adolescentes que vão para o tráfico têm espírito de liderança, são cooptados. Por isso é importante ouvir esses jovens, num trabalho que envolve psicóloga e assistente social. Na profissionalização é preciso entender o que ele gosta. Às vezes ele não adere a um curso de mecânica, por exemplo, porque não gosta. Jovem gosta de tecnologia”.