Desamparo estatal leva jovens ao crime, diz fundadora do Conselho dos Direitos da Criança de Santos

Cofundadora do CMDCA de Santos vê falta de políticas públicas para os adolescentes vulneráveis

Por: Redação  -  03/10/21  -  15:57
 Tarefa não é só do Estado. É preciso que a sociedade também participe
Tarefa não é só do Estado. É preciso que a sociedade também participe   Foto: Vanessa Rodrigues

A falta de uma política pública que garanta ao cidadão o que está previsto na Constituição de 1988, como o princípio da dignidade da pessoa humana, desencadeia nas camadas mais pobres da população um processo de deterioração social.


O desamparo estatal, aliado à desestruturação familiar, leva muitos adolescentes dessas comunidades a enxergar o crime como única opção para conseguir dinheiro, bens materiais e melhorar as condições de vida da família. Dos 245 internos nas unidades da Fundação Casa na Baixada Santista ouvidos pelo IPAT, 93,4% têm entre 15 a 18 anos. Em 2017, eram 93%.


“No Brasil não temos uma política de Estado, temos política de governo. Como posso exigir dever de alguém que nunca teve os direitos assegurados? Não temos política de cuidados desde a primeira infância, de se preocupar com a família. Por trás de uma criança ou de um adolescente abandonado, tem uma família abandonada”, alerta a professora da UniSantos Maria Izabel Calil Stamato, doutora em Psicologia Social.


Uma das fundadoras do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) de Santos, em 1990, e coordenadora da primeira eleição do Conselho Tutelar da Cidade, em 1991, Maria Izabel cobra efetividade no plano de atendimento ao interno, após o cumprimento da medida socioeducativa na Fundação Casa. E defende que as ações não se limitem ao adolescente infrator, mas ampliadas a sua família.


“A política pública não pode ser feita só com números. Tem que ter uma política intersetorial, não só interdisciplinar, que é de saberes, mas intersetorial, envolvendo educação, profissionalização, saúde e moradia. O adolescente tem que ser visto de uma forma integral. Daí a importância do Plano Individual de Atendimento (PIA), não só do interno, mas da família. Depois que ele vai pra medida aberta, o plano vai analisar todas as necessidades do adolescente”, diz.


Ação coletiva

A participação da sociedade civil na reinserção dos jovens que cometem atos infracionais também é fundamental no processo de ressocialização. “Não é uma questão só do Estado, mas da sociedade civil. Em Santos temos bons exemplos. O Sintraport promove cursos e tem projetos de inserção. O Restaurante-Escola faz um trabalho interessante e o Projeto Axé, do Arte no Dique, é bastante rico, abre caminhos. A profissionalização também envolve o adolescente trabalhar culturalmente”, aponta a professora.


Segundo Maria Izabel, a manutenção do vínculo dos jovens com a escola e o tratamento aos que apresentam quadro de uso abusivo de drogas são primordiais para a recuperação dos adolescentes. E para fazer frente às tentações do universo do crime é necessário ouvir os internos. “Os adolescentes que vão para o tráfico têm espírito de liderança, são cooptados. Por isso é importante ouvir esses jovens, num trabalho que envolve psicóloga e assistente social. Na profissionalização é preciso entender o que ele gosta. Às vezes ele não adere a um curso de mecânica, por exemplo, porque não gosta. Jovem gosta de tecnologia”.


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