Coronavírus: 'De 4 a 6 meses a gente não vai ter vacina', afirma especialista

Médico do Instituto de Infectologia de São Paulo, Jean Gorinchteyn traça um panorama do coronavírus no Brasil e aponta lições que podemos tirar da pandemia

Por: Júnior Batista  -  15/03/20  -  10:46
  Foto: Alexsander Ferraz/AT

Afinal de contas, por que o covid-19, o coronavírus, preocupa tanto o mundo? A resposta é a sua alta taxa de transmissiblidade. Estima-se que uma pessoa infectada passe o vírus a, pelo menos, três pessoas. Mas esse número pode ser maior. E não só isso, ainda estamos longe de uma solução. Pelo menos seis meses antes que possamos ter uma vacina. Os sintomas brandos ajudam: 80% das pessoas continuam seguindo suas vidas normalmente mesmo com o coronavírus. As informações são do médico do Instituto de Infectologia de São Paulo, Jean Gorinchteyn, responsável pelo Ambulatório de AIDS no Idoso no Hospital Emílio Ribas e mestre em doenças infecciosas. A seguir, ele traça um panorama da doença e alerta para sua gravidade, principalmente para os idosos. “A prevenção está em nossas mãos, literalmente”.


As pessoas ainda não entenderam a gravidade do covid-19, o coronavírus?


O brasileiro sempre acha que tudo é alarmismo. Que as medidas são exageradas. Quando se colocou emergência em saúde, há cinco semanas, se achava que era um exagero do Governo e hoje a gente sabe que, muito antes de surgir o primeiro caso confirmado, essas estratégias de prevenção estavam sendo instituídas. E elas são importantes porque já se mostraram erros na Itália e na China por causa da falta de contenção e envolvimento da população. A população tem que ter a consciência que ela é responsável por tudo isso. 


Por quê?


Porque não são os jovens sem doenças, são para os idosos que estão à nossa volta, em nossas casas, que precisam ser protegidos. Se a população não tiver essa consciência, isso vai impactar nesse idoso frágil, que vai morrer.


Qual é a mortalidade desse vírus, atualmente?


A mortalidade é de 3,6% no mundo. Mas a gente sabe que, naqueles indivíduos com idades entre 70 e 79 anos isso aumenta para 8% e acima dos 80 anos aumenta para 15%. Quer dizer, é um impacto muito grande. E é nossa obrigação, como médicos, orientar a população. E é importante, sim, a população evitar que seja ela, com sua mão, levar essa arma para dentro de casa. 


Na sua avaliação, o Brasil está se posicionando corretamente quanto ao combate e disseminação de informação sobre o vírus?


A informação está vindo pelo poder público, pela mídia, que a todo o instante tem trazido as orientações, mostrar sintomas, identificação e se prevenir. Tanto o poder público quanto a própria imprensa têm tido esse papel. O que temos, infelizmente, são as fake news pelas redes sociais, que é um grande desserviço à sociedade. À medida que provocamos pânico, alarde e até mesmo colegas médicos que disseminam informações que, não que sejam verdade ou mentira, mas que, naquele momento, não são reais. Temos que trazer tranquilidade, com responsabilidade para todos, tanto a comunidade médica quanto a população.


A forma de identificação do coronavírus é só pela tomografia?


A gente só vai identificar o coronavírus através de testes específicos com material genético do vírus covid-19 na secreção do nariz, da garganta, assim consigo documentar. É claro que há situações mais graves que o impacto no pulmão é muito grande e através de exames broncoscopia também consigo resgatar secreções pulmonares e ou a própria biópsia pulmonar. Mas, de forma geral, a metodologia mais utilizada o PCR - Reação de cadeia de polimerazi que a gente vai identificar o vírus, o covid-19.


E essa identificação, hoje, é abrangente pelo sistema público?


O Governo distribuiu 30 mil kits para todo o Brasil. Ele também incentivou pesquisas para identificar, abrir o material genético do vírus e assim, criar novos modelos para detecção, como testes, para identificação mais rápido. Isso vai acontecer. Mas temos que lembrar que, chega um momento das epidemias, principalmente as mais leves, mais brandas, que a gente deixa de testar e de dizer, sim, isso é o covid-19, porque é desnecessário eu fazer um teste confirmatório, mas é fundamental orientar as pessoas no sentido delas se preservarem e evitar levar o vírus a outras pessoas.


Esse vírus é uma mutação? Ele já existia?


O coronavírus é uma família de vírus conhecida desde 1936. Em 1960, se descobriu que, no seu entorno, ele tem espículas, como espinhos que fazem lembrar o vírus compatível com uma coroa, por isso o nome coronavírus. Ele sempre teve apresentação benigna, transmitindo de animaizinhos para pessoas. Porém, em três ocasiões - e essa, na verdade é a terceira -, ele mudou a sua apresentação, seu material genético e criou vírus diferentes. Um foi aquele vírus, também na China, que é a Sars, Síndrome Respiratório Aguda Grave, que comprometeu mais de 8 mil pessoas, com 10% de mortalidade, dando quadros de insuficiência respiratória grave. Em 2012, 2013, surge um novo vírus, que sai dos camelos, dromedários de forma geral para as pessoas e se adapta, é a Mers, Síndrome Respiratório do Oriente Médio. Menos pessoas atingidas, cerca de 2.200, mas o impacto de mortalidade é de 36%. Até aqui, o que nós vemos é que ele se comporta de uma forma de alta transmissibilidade, mas a mortalidade é mais baixa. No entanto, o impacto populacional é muito grande, principalmente na população vulnerável, idosos, portadores de doenças crônicas ou fazendo tratamento de quimioterapia para câncer. 


O que não deixa de ser perigoso...


Cerca de 80 a 82% são formas leves, que lembram um resfriado. A nossa preocupação é que não compromete a condição de ir e vi do indivíduo, isso só vai acontecer em torno de 18 a 20% dos infectados, diferente da gripe, que doi o corpo, as juntas e você nem sai de casa. E o desconforto respiratório, a falta de ar, só acontece em 10% dos casos. Quer dizer, na maioria das vezes, são casos benignos que fazem as pessoas circularem por aí. Por isso que a gente pede um bom senso social, de evitarem de sair de casa tossindo, espirrando. Pedimos que os próprios empregadores liberem seus funcionários que apresentem essas manifestações, para que eles não andem no transporte público e contaminando outras pessoas. 


Então, o grande problema é a transmissão, pelos sintomas serem mais brandos? 


Exatamente. As pessoas continuam circulando, mesmo com os sintomas. Isso aconteceu na China e na Itália. Quando foram ver na Itália, estavam imaginando que aquilo fazia parte de um vírus circulando, por causa do frio, proximidade dos Alpes Suíços. Hoje, estão com 800 velhinhos em tubo, nas unidades de terapia intensivas. Isso tem um impacto na saúde pública, porque não estão preparados para receber essas pessoas. Isso estrangula qualquer possibilidade de assistência. E nisso o Brasil se destacou, porque observou essa emergência e começou a se preparar. De certa forma, é que vai nos preparar para não ter uma emergência de saúde pública, além da prevenção, porque as pessoas precisam entender que cada um de nós é responsável para não difundir isso dentro das nossas casas.


A transmissão da gripe, com relação ao corona, é muito diferente?


A gente tá conhecendo isso agora. Falam em para cada paciente com coronavírus dois a três são infectados. Pode ser, exatamente pelo quadro mais benigno, circulem e difundam mais. Então, pode ser que seja mais, não dois ou três. Talvez tenha, sim, capacidade de transmitir para mais pessoas e elas levarem para asilos. Imagine o impacto disso em asilos e hospitais? Nós temos esse papel, sim, de prevenção. E a prevenção está em nossas mãos, literalmente, com álcool em gel, evitando ambientes aglomerados, deixando a circulação do ar. Isso é fundamental.


Aqui na Baixada Santista, principalmente Santos que tem 1/4 da população de idosos, deve ter uma política diferenciada?


Não tenho dúvidas. Esse idoso precisa ser protegido. É uma papel do Estado, do Município e da comunidade. Muitos mais vulneráveis por condições sociais. Não adianta só falar que vai acabar com a missa na igreja, com encontros em clubes, porque isso tem outro impacto. Esse homem é só, essa mulher é viúva. Eu tenho que reavaliar como dar suporte a essas pessoas. Você pode falar para ela ficar em casa, não usar transporte público, mas quem vai fazer isso por ela? Cada um da comunidade, no seu papel, pode ajudar o seu vizinho, colaborar de alguma forma, para que essas pessoas não fiquem desamparadas nesse momento. É uma pandemia que merece reflexão do que a gente faz pelo outro. O que eu faço com o velhinho, meu vizinho, que está em risco? Outra reflexão é sobre higiene. Estamos falando de lavar as mãos, limpar celular, não tossir na frente dos outros. É uma reflexão moral e cívica, eu diria. Essa passa a ser a verdadeira questão dessa pandemia. 


O que se sabe até agora das pessoas que já passaram pelo vírus?


A grande parte dessas pessoas passaram na China, na Itália. Não temos essa informação agora, se deixa sequela, não deixa. É muito recente. Ainda vamos aprender com a nossa experiência clínica, atendendo essas pessoas.


O senhor arrisca dizer em quanto tempo poderemos ter uma vacina?


As vacinas estão sendo vistas em mais de 20 países, assim como medicações estão sendo avaliadas especificamente para o Ebola e a sua identificação para os pacientes graves que estão sendo atendidos nos Estados Unidos. A gente espera que possa sair o mais rápido possível, mas sempre respeitando as etapas de segurança. Avaliando efeitos colaterais, respostas, se realmente produz anticorpo e se eles são protetores. Seguramente, cerca de 4 a 6 meses, na melhor das hipóteses, a gente não vai ter. E para passar essa fase, precisamos de duas coisas: informação e prevenção. Prevenir e pré-analisar esse cenário.


E também não dá para dizer se, caso ela tenha o coronavírus, ela vá ter de novo...


O que a gente vê na maioria dos casos é que a gente tem um vírus e eu desenvolvo anticorpos específicos, então estou protegido para toda a vida. Em dois casos, parece que voltaram a apresentar sintomas depois de um período de melhora. A dúvida é o seguinte: é o mesmo vírus? É uma pequena variação genética? A imunidade desse indivíduo não foi capaz de ser plena para protegê-lo? Os estudos estão acontecendo, mas, até hoje, identifica-se um vírus com algumas pequenas variações, assim como é o vírus da H1N1, a gripe, mas que ele promove resposta e imunidade para toda a vida, a princípio.


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