Coach explica o fim da estabilidade de carreira no formato linear

Taynã Malaspina conta como alcançar a realização profissional no cenário do mercado de trabalho atual

Por: Tatiane Calixto & Da Redação &  -  08/07/19  -  16:27
“Não falamos mais em carreira com você entrando na empresa e nela fazendo sua biografia”, diz
“Não falamos mais em carreira com você entrando na empresa e nela fazendo sua biografia”, diz   Foto: Irandy Ribas/AT

Como ser feliz profissionalmente, mesmo em meio a tantas mudanças no mercado de trabalho e constantes alterações nas exigências de habilidades? Em entrevista para A Tribuna, a coach Taynã Malaspina fala sobre os desafios embutidos nesta pergunta e traz respostas para ela.


Graduada em Comunicação Social, ela tem mestrado em Psicologia Social pela PUC-SP. Nele, estudou a relação entre trabalho, felicidade e sentido para jovens. Atualmente, integra o núcleo de pesquisa do programa de doutorado em Psicologia Social da instituição, investigando o tema Projeto de Vida.


A Tribuna Online - Tanto a crise econômica quanto as inovações tecnológicas vêm mudando significativamente o mercado de trabalho. Para qual cenário devemos nos preparar?


Taynã Malaspina - Esse cenário que nós vivemos é o de aceleração tecnológica. Um mundo em que você acaba de se atualizar e já precisa buscar uma outra atualização. Essas mudanças acontecem em um ritmo como nunca antes observado e isso acabou redefinindo os modelos de carreira. Não falamos mais em carreira no formato trilho, com você entrando na empresa e nela fazendo sua biografia, começando como estagiário, passando a analista júnior, pleno, sênior, coordenador, gerente... Isso mudou para o que chamamos de carreira mapa. Você primeiro define aonde quer chegar. É como se fosse o Waze. Você precisa ter um destino e daí escolher rotas alternativas e caminhos diferentes para chegar até lá. Além do mais, mudou aquela ideia de que, para você estar preparado para o mercado, tinha que escolher uma graduação e isso seria suficiente para se tornar especialista em algo que faria pela vida toda.


AT - É porque não se exercerá mais a mesma carreira a vida toda. É isso?


É bem provável que as próximas gerações, a Z e até a Y, ocupem duas ou três carreiras de forma consecutiva ou paralela. Os ciclos de carreiras estão se tornando mais curtos e as pessoas precisam se reinventar de forma mais dinâmica.


AT - E como se manter atualizado diante de tantas mudanças no mercado?


Uma questão importante é o conceito de lifelong learning, a educação continuada. Hoje, o indivíduo não pode mais esperar que as vidas acadêmica e profissional sejam restritas a uma graduação e, para alguns, a uma pós-graduação. Graduação e pós tornaram-se o básico. Por isso, começam a surgir cursos mais curtos, com temas específicos. O aprendizado não é mais pontual, é para a vida toda.


AT – Dentro desse cenário, parece que já não bastam apenas as habilidades técnicas. O que está sendo exigido dos profissionais?


Além da competência técnica, surgem com grande força as competências socioemocionais, aquelas ligadas à capacidade da pessoa ter criatividade, inovação, saber trabalhar em equipe, ligar, conectar pontos e conseguir se perceber e se ajustar diante desse mercado que muda a todo momento. Então, pessoas que valorizam muito a estabilidade sofrem mais nesse cenário novo. Isso porque, hoje, não existe mais a estabilidade de carreira no tradicional formato linear. Hoje, falamos de estabilidade por projeto. O ideal é que a pessoa mantenha-se atualizada e competente para ser acionada ao longo da vida para diversos projetos.


AT – Essa nova geração chega ao mercado com uma visão diferente de trabalho, que agrega ao salário questões que envolvem propósito, impacto social...


A geração Y, jovens que nasceram de 1980 a 2000, mudou um pouco a relação com o trabalho. O sonho deixou de ser ter um emprego, simplesmente, para ser o sonho de um trabalho que tenha propósito. Então, além da remuneração, eles buscam no serviço uma forma de se expressar, construir sua identidade e encontrar sentido. O trabalho transcende a função monetária. É claro que nossos pais também tinham essa busca, mas os formatos de carreira daquela época eram muito mais fechados e lineares. Hoje, o trabalho tem uma certa centralidade na vida das pessoas e elas passaram a exigir muitas outras demandas além da remuneração. Aí, temos um lado positivo: uma relação em que entram uma forma de expressão e valores pessoais. Mas tem um lado perverso também.


AT – Que lado é esse?


Muitos jovens criam uma visão idealizada de que trabalho com sentido é aquele em que você faz o que gosta o tempo todo. Sentido não é necessariamente fazer o que gosta o tempo todo. É preciso ter uma visão realista de que esse tipo de trabalho gera algo prazeroso, mas que também envolve coisas que não são tão legais de fazer, chatas até. É que essa geração comprou uma ideia de trabalho com sentido e, a qualquer mínima experiência negativa, acaba mudando de emprego e não consegue construir uma linha biográfica de trabalho consistente.


AT - Quando falamos dessa geração, esses jovens estão também na periferia ou isso tem a ver com o privilégio de quem pode pedir demissão e encontrar um trabalho que faça sentido?


A geração das classes C e D também busca sentido, só que ela não tem um suporte financeiro para poder fazer escolhas e errar, diferentemente de um jovem que pode falar “eu vou parar tudo e fazer um intercâmbio e depois volto”. É uma situação mais difícil para o jovem que banca a casa como próprio salário e estuda com Fies. Mas, apesar de não ter o privilégio das escolhas e a relação dele com o trabalho ainda ser muito focada na questão financeira, o que temos percebido é que, dentro de competências socioemocionais, o jovem das classes C e D possui desempenho muito superior ao das classes altas.


AT – Por quê?


O mercado tem valorizado a capacidade de flexibilidade, criatividade, resiliência e liderança pelas condições de vida. Esses jovens de classes mais baixas desenvolvem isso quase que naturalmente. Eles são obrigados a se inventar e reinventar. Tanto é que temos um movimento de empreendedores sociais, de jovens formando startups, de pessoas que em comunidades começaram projetos. É uma busca de propósito também, mas com um cenário diferente, com mais limitações e mais exigências.


AT - Como a visão desses jovens está impactando o mercado e as empresas?


Eles trouxeram essa demanda muito positiva, porque hoje as empresas precisam ir além do salário. Elas devem vender como é trabalhar lá dentro. Além do pacote de benefícios, quais são os valores que aquela empresa traz? Qual é a missão dela? E essa preocupação faz sentido, porque a retenção de jovens tem se tornado um grande desafio para a área de RH.


AT – O que temos que fazer para conseguir essa satisfação? Como ser feliz no trabalho?


Eu não gosto muito do termo felicidade, pois, às vezes, ele é muito superficial. Felicidade é subjetiva. Mas uso o conceito de sentido, que está próximo à felicidade autêntica do Martin Seligman, da Psicologia Positiva. Ele fala que a felicidade autêntica surge quando reconhecemos nossos talentos e forças e aplicamos isso em uma tarefa na qual percebemos um benefício que vai além de nós mesmos. Então, no trabalho, seria descobrir no que você é bom, quais são seus talentos e aplicá-los, entendendo o porquê da importância daquela atividade. O Viktor Frankl dizia que a busca da felicidade em si é autoanulativa e Freud também dizia isso. O que precisamos é achar sentido profissional. Fazendo isso, a felicidade acaba se tornando um efeito colateral.


AT – O que é esse sentido?


Sentido não tem receita e a busca por ele passa muito pelas perguntas: o que a vida espera de mim? Como eu tangencio isso por meio do meu trabalho? As pessoas precisam dormir com essas perguntas. Porque quando eu acho tais respostas, tenho muita força para enfrentar tudo.


AT - É possível ressignificar o trabalho? Quero dizer, para quem já está em uma empresa, como encontrar esse sentido?


O profissional não pode esperar que a empresa lhe dê sentido. Tem um erro na nossa forma de pensar que associa sentido a algo que nós fazemos. O sentido está ligado a como nós fazemos. Por exemplo, a Medicina é vista como uma área plena de sentido. Mas o médico que atua de forma mecânica e como ele faz isso acaba esvaziando a profissão de sentido. Achar o sentido no trabalho vai além de analisar o que faço no serviço,mas em especial a forma como eu faço.


Logo A Tribuna