Baixada Santista tem mais de 64 mil pessoas morando em áreas de risco

Tragédia da última semana foi provocada pela combinação de chuva torrencial com ocupações desordenadas

Por: Maurício Martins  -  08/03/20  -  15:22
Trabalhos seguem sendo realizados no Morro São Bento, em Santos
Trabalhos seguem sendo realizados no Morro São Bento, em Santos   Foto: Alexsander Ferraz/AT

Não foi só o excesso de chuva que provocou a tragédia da última semana, quando dezenas de pessoas morreram na Baixada Santista. Com exceção de uma vítima - o idoso que morreu porque o chão de uma casa cedeu, em São Vicente - todas as outras estavam em áreas com riscos de deslizamentos, em morros e encostas, e perderam a vida soterradas. Atualmente, são mais de 16 mil moradias nessa situação na região. Passa de 64 mil o número pessoas nessa condição, levando em consideração quatro pessoas por família.


Não por acaso, os bairros que exigem mais atenção estão nas cidades onde ocorreram mais mortes na semana passada: Guarujá e Santos. Esses municípios concentram 95% dos lugares mais perigosos durante as chuvas. A situação não é nova, existe há décadas. O que chama a atenção é que os números pouco mudaram ao longo dos anos e desastres noticiados no passado de repetem.


Especialista em planejamento urbano, o professor universitário Rafael Alves Pedrosa afirma que faltou e falta ao poder público um programa habitacional regional, uma política compartilhada envolvendo todas as prefeituras e o estado para retirar as pessoas das áreas de risco.


“Em que pese essa tragédia ter ocorrido, não percebemos uma política de desocupação das áreas, mesmo que por meio do aluguel social. O estado propõe ações somente para os atingidos. O risco continha existindo e mediante nova anomalia climática poderemos enfrentar o mesmo problema e, o que é pior, nas mesmas áreas”, diz Pedrosa.


Para o especialista o congelamento dessas áreas é altamente ineficaz, não há fiscalização e acompanhamento das prefeituras para que isso, de fato, ocorra. “As invasões continuam ocorrendo, as áreas de risco crescendo, dada à inércia do poder público nessas situações”, completa.


Saída imediata 


Os níveis de risco são classificados de 1 a 4 pela Defesa Civil: baixo, médio, alto e muito alto. Moradores de áreas de risco níveis 4 e 3 devem ser retirados de imediato, transferidos nem que seja para alojamentos temporários, e essas áreas não podem ser reocupadas em nenhuma situação, afirma, de forma enfática, o sub-secretário de Estado de Meio Ambiente, Eduardo Trani.


Ele acompanha a questão de áreas de risco no estado há mais de 30 anos e destaca que, hoje, há um fator agravante: as intensas mudanças climáticas, que potencializam o risco. “É preciso reconhecer que essas tragédias poderão acontecer mais vezes se nada for feito”, diz. 


Para evitá-las, diz Trani, é recomendável seguir alguns passos. Primeiro, garantir informação qualificada, como mapeamento das áreas, criação de mecanismos de alerta de risco. Segundo, elaborar um plano estratégico de desocupação dessas áreas. “Sabemos que não dá para construir casa para todo mundo, mas é preciso ter um programa de redução de riscos nessas áreas”.


Outro passo importante, segundo o sub-secretário, é congelar as áreas irregulares nas encostas. “Mas essa não é uma tarefa exclusiva de Estado e municípios. Precisa ter o envolvimento da comunidade, do Judiciário, do Ministério Público”.


Ações emergenciais 


Enquanto a única solução para evitar mais mortes durante chuvas excessivas não vem, que é a retirada total das famílias dessas áreas, ações nos locais podem minimizar os riscos. As prefeituras dizem que fazem intervenções constantes e o Governo do Estado liberou R$ 50 milhões para serviços emergenciais.


O engenheiro civil e geotécnico Agnaldo Alexandrino de Souza Filho afirma que é preciso mais preparo. “Já passou da hora de as prefeituras terem equipes técnicas de geotecnia preparadas [para intervenções corretas]. Isso que vem acontecendo é absurdo, é a chamada tragédia anunciada”.


Para Souza Filho, não bastam apenas planos de gerenciamento de riscos, é necessário se antecipar aos eventos e fazer as obras. “Hoje se conseguem informações muito precisas do solo, para determinar o tipo de trabalho emergencial ali”.  


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