Baixada Santista já sente efeitos das mudanças climáticas

COP26 debate clima no Planeta a partir desse domingo (31)

Por: Arminda Augusto  -  31/10/21  -  15:13
 Ressacas mais fortes e com ventos mais intensos; chuvas em maior volume e em intervalos mais curtos: efeitos das mudanças climáticas já percebidos na região. No ano passado e neste, a intensidade das chuvas provocou deslizamento de terras em encostas de morros de Santos e Guarujá
Ressacas mais fortes e com ventos mais intensos; chuvas em maior volume e em intervalos mais curtos: efeitos das mudanças climáticas já percebidos na região. No ano passado e neste, a intensidade das chuvas provocou deslizamento de terras em encostas de morros de Santos e Guarujá   Foto: Vanessa Rodrigues/AT

Chuvas mais intensas em curto espaço de tempo e com pouco intervalo entre uma e outra. Ressacas mais fortes e mais constantes, com ondas mais altas e ventos mais intensos. Se nos extremos do Planeta, os sintomas das mudanças climáticas são mais devastadores, nas regiões litorâneas como a Baixada Santista são esses os sinais de que também aqui os efeitos já são percebidos.


A partir de hoje e até dia 12 de novembro, o mundo se volta para Glasgow, na Escócia, onde representantes de 200 países - inclusive o Brasil - estarão reunidos na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26). O evento é considerado chave para reforçar o combate ao aquecimento global e proteger o Planeta. E também para estabelecer novos compromissos de redução na emissão desses gases. A meta tem sido de evitar que a temperatura do Planeta suba além de 2 graus até o fim do século.


Mas qual a relação entre esse debate e as chuvas intensas e ressacas mais constantes da Baixada Santista? Antes, é preciso analisar os números.


Dados obtidos junto à Defesa Civil de Santos, colhidos a partir do monitoramento feito pelo Núcleo de Pesquisas Hidrodinâmicas da Unisanta, mostram uma intensificação dos estados de atenção e alerta para as ressacas.


No estado de atenção, os ventos sopram entre 40 e 60 km/h, com ondas entre 2 e 3 metros. Para o estado de alerta, os ventos têm mais de 60 km/h, com ondas acima de 3 metros. Em 2015, foram 14 estados de atenção e um de alerta. Em 2019, foram 20 situações de atenção e três de alerta.


Chuvas

O mesmo acontece com as chuvas, com índices pluviométricos intensos em curtos períodos de tempo. A Defesa Civil de Santos dispõe de dados sobre chuvas desde 1940, quando o índice anual pouco passava de 2 mil milímetros. Em 2019, o índice foi de 3.296 e, em 2020, 3.339, com uma concentração anormal de chuva nos meses de fevereiro e março, mês em que ocorreram deslizamentos de terra em Santos e Guarujá, provocando mais de 20 mortes e dezenas de desabrigados.


 Ressacas mais fortes e com ventos mais intensos; chuvas em maior volume e em intervalos mais curtos: efeitos das mudanças climáticas já percebidos na região. No ano passado e neste, a intensidade das chuvas provocou deslizamento de terras em encostas de morros de Santos e Guarujá
Ressacas mais fortes e com ventos mais intensos; chuvas em maior volume e em intervalos mais curtos: efeitos das mudanças climáticas já percebidos na região. No ano passado e neste, a intensidade das chuvas provocou deslizamento de terras em encostas de morros de Santos e Guarujá   Foto: Vanessa Rodrigues/AT

Causa e efeito

“Estabelecer a relação entre causa e efeito não é simples, mas no caso do ciclo hidrológico, um dos impactos das mudanças climáticas é esse mesmo: secas prolongadas e chuvas muito intensas em espaço de tempo muito curto. Esse tipo de impacto está previsto no IPCC”, diz Fábio Feldmann, ex-secretário de Meio Ambiente de São Paulo, deputado constituinte e especialista em mudanças climáticas.


Feldmann defende, inclusive, que a Serra do Mar receba legislação protetiva extra, acompanhando o que prevê o Artigo 225 da Constituição Federal, que a classificou como patrimônio nacional. “Com o aumento dos desastres naturais e chuvas intensas, essa área vai ficar ainda mais vulnerável. E isso não é bom para a Baixada Santista”, diz.


“Os efeitos não são exclusivos de Santos ou das cidades vizinhas, mas do planeta todo. Mas o que as pessoas precisam entender é que uma mudança que acontece em uma parte do mundo altera a dinâmica climática de todo o Planeta”, reforça Eduardo Osokawa, chefe da Seção de Mudanças Climáticas (Seclima) da Secretaria de Meio Ambiente de Santos.


Plano de ação

A Seclima finaliza nas próximas semanas um Plano de Ação Climática para Santos, que deverá ser apresentado em dezembro.


Entre outros itens, o plano considera os impactos das variações climáticas devido a problemas de uso e ocupação do solo das últimas décadas, a ocupação desordenada de espaços e construção de palafitas, entre outros aspectos. E proporá um conjunto de ações a serem adotadas para mitigar os efeitos nas próximas décadas.


O que é IPCC

O Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) foi criado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) em 1988 com o objetivo de fornecer aos formuladores de políticas avaliações científicas regulares sobre a mudança do clima, implicações e possíveis riscos futuros, bem como para propor opções de adaptação e mitigação. Atualmente, o IPCC tem 195 países membros. O último relatório, de agosto, prevê que somente cortes ambiciosos nas emissões manterão o aumento da temperatura em 1,5°C, o limite necessário para prevenir os piores impactos climáticos. Em um cenário de altas emissões, o IPCC constata que o mundo pode aquecer até 5,7°C até 2100 – com resultados catastróficos.


Primeiro, entender o tema. Depois, tomar consciência e agir

Ronaldo Christofoletti diz que o primeiro passo para uma mudança de postura por parte do cidadão comum é entender o tema, buscar informação qualificada, de fonte segura. “Não adianta falar para as pessoas deixarem o carro em casa se elas não veem relação entre isso e a mudança do clima”, fala.


“Se ela passa a ter conhecimento, verá relação entre causa e efeito. O passo seguinte é mudar alguma coisa no seu cotidiano”.


Marina Ferro, gerente-executiva da área de Práticas Empresariais e Políticas Públicas do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, vai na mesma linha. Ela pondera que, embora a maior emissão de gases de efeito estufa seja da área empresarial e produtiva, as pessoas também podem se envolver com a temática e agir. “O cidadão pode reduzir sua pegada ecológica de várias formas: optando por marcas de produtos que respeitem as regras ambientais, diversificar o cardápio e intercalar proteínas de origem animal com origem vegetal e buscar informações sobre a origem dos demais itens que consome.


Marina fala sobre o consumo de carne porque a pecuária é um dos setores produtivos em que há mais emissão de gases de efeito estufa. Além disso, tem se proliferado a eliminação de área verde na Floresta Amazônica para instalação de pastagens.


Outras formas

Fábio Feldmann vai além, e cita iniciativas que podem ser adotadas até pelas pessoas que investem em ações. “Se eu vou investir na Bolsa de Valores, quero saber se as ações que estou comprando são de empresas que estão preocupadas com isso. No momento em que a empresa percebe que ela está com suas ações desvalorizadas porque não tem preocupação com questões ambientais, ela muda de postura. Esse é o melhor recado que o mercado financeiro pode dar, e está ao alcance das pessoas também”.


 Ressacas mais fortes e com ventos mais intensos; chuvas em maior volume e em intervalos mais curtos: efeitos das mudanças climáticas já percebidos na região. No ano passado e neste, a intensidade das chuvas provocou deslizamento de terras em encostas de morros de Santos e Guarujá
Ressacas mais fortes e com ventos mais intensos; chuvas em maior volume e em intervalos mais curtos: efeitos das mudanças climáticas já percebidos na região. No ano passado e neste, a intensidade das chuvas provocou deslizamento de terras em encostas de morros de Santos e Guarujá   Foto: Alexsander Ferraz/AT

Especialista alerta: oceanos estão com sobrecarregados

Os oceanos têm papel fundamental no equilíbrio do clima do Planeta. O grande volume e a alta capacidade térmica da água fazem do oceano o regulador do sistema climático, reduzindo as diferenças de temperatura e criando um ambiente adequado para a vida em quase toda a superfície da Terra.


“70% do planeta é água, então, imagine o seguinte: vivemos em um grande banho-maria, em que os continentes ficam sobre a água. Se ela esquenta, o continente sofre”, compara, de forma lúdica, o professor Ronaldo Christofoletti, do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membro do Grupo Assessor de Comunicação para a Década do Oceano da Unesco.


Christofoletti explica que mais de 50% do oxigênio do planeta vem do oceano. Porém, fatores como poluição e o próprio aquecimento das águas prejudicam o ciclo natural de trocas gasosas, que inclui a absorção do carbono da atmosfera.


Além disso, os oceanos também funcionam como uma espécie de “correia transportadora”, explica o professor. Nela, ventos frios e quentes são carregados de um ponto ao outro do Planeta. Se há um desequilíbrio, essa correia funciona mal.


Sobrecarga da terra

O professor, um dos maiores especialistas em oceanos do Brasil, explica o conceito de “sobrecarga da Terra’, que é a equação entre quanto o ser humano consome de recursos naturais e quanto a Terra tem capacidade de repor esses bens. “Esse saldo está ficando negativo ano após ano. Haverá um ponto de não-reversão”.


Impressões

“Ainda não caiu a ficha das pessoas e dos governos de que a situação é bastante grave. De 88 para cá, quando se começou a discutir mudança climática no mundo, quase nada foi feito. O espaço de tempo para reverter esse quadro vai ficando cada vez menor. Uma parte dos cientistas já considera que vivemos um quadro de irreversibilidade” - Fábio Feldmann, ambientalista e especialista em mudança climática

“A sobrecarga dos oceanos compromete o equilíbrio climático entre os continentes. Com desequilíbrio e sem medidas para mitigação, vamos nos aproximando do ponto de não-reversão. Estamos consumindo do Planeta mais do que ele tem capacidade para repor”- Ronaldo Christofoletti, professor da Unifesp-Baixada e membro do Grupo Assessor de Comunicação para a Década do Oceano da Unesco

“O cidadão comum pode se engajar de diversas formas. O primeiro passo é se informar, claro, mas ele também pode buscar informações sobre a origem dos produtos que consome. Hoje, há diversos selos de qualidade para as empresas que estão preocupadas com as questões ambientais”- Marina Ferro, gerente-executiva da área de Práticas Empresariais e Políticas Públicas do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social


Logo A Tribuna