A Tribuna 127 anos: ‘Viagem’ em casa, na vida dos pais
Em A Tribuna, Dirceu Fernandes Lopes escreveu reportagens marcantes, que denunciaram problemas e impactaram a vida das pessoas
Nestes tempos difíceis, falando sob o ponto de vista de um turismólogo, a atividade está obviamente retraída. Os fluxos de turistas acontecem em menos volume e distâncias mais curtas. E o Brasil, que emitia ao exterior um número grande de turistas, está com a imagem abalada. Qual país vai querer receber turistas vindos de um país no epicentro da pandemia? Queremos trabalhar! Mas, para um profissional do turismo, quase não há trabalho.
Voltando a morar em Santos com os meus pais, com mais tempo livre, comecei a organizar as coisas aqui em casa. Comecei pelas minhas próprias coisas. Mas o apartamento onde moro é muito mais complexo do que o meu quarto.
Então, resolvi fazer uma viagem diferente. Bem resumidamente: Terezinha Fátima, minha mãe, foi professora de francês e de Literatura; e meu pai, Dirceu Fernandes Lopes, jornalista e professor de Jornalismo.
Eles tiveram lindas carreiras e guardam parte de suas vidas nos cômodos do nosso lar. Meus pais lecionaram em instituições como UniSantos, Aliança Francesa e USP; escreveram artigos, livros e reportagens em veículos de comunicação. Além de guardarem cartas, trabalhos de alunos, textos e milhares de livros (não estou exagerando).
Percebendo que eles precisavam de uma ajuda para fazer uma organização nesse material, comecei o trabalho – uma longa viagem, com difícil previsão de término. Dela. destaco o conteúdo jornalístico. Em tempos em que pessoas negam fatos e descredibilizam a imprensa, ajudar a transmitir o legado do meu pai Dirceu é muito importante.
Em A Tribuna, ele escreveu reportagens marcantes, que denunciaram problemas e impactaram a vida das pessoas. “Presídio, o Caminho do Crime”, de 1968 e “O Cárcere”, de 1974, ambas denunciando as precárias condições nos presídios de Santos. “Alcóolicos Anônimos: para muitos, a Única Salvação”, de 1972, “Delirium-Tremens”, de 1974, e “Você Ama um Alcoólatra?”,de 1975, que abordavam o alcoolismo.
Retratava outras questões recorrentes como a violência contra a mulher, como em “Prostituição, o Tabu que Desafia a Sociedade, de 1973, “Mulheres Espancadas”, de 1981, e a miséria, como em “O Grito do Carrinheiro (Foi Ouvido)”, também de 1981.
Também abordou as más condições de atendimento na Santa Casa em vários momentos, como em “Santa Casa contra a Crise”, de 1969, e em títulos criativos como em “A Crise da Misericórdia”, de 1982.
No esporte, destaques para “Nasceu o Príncipe Edson, Nova Glória do Rei Pelé”, de 1970 e “Rei Responde a 31 Perguntas e Apresenta a sua Mansão de Três Andares em Santos”, de 1971, quando o jornalista Dirceu tinha um relacionamento próximo com Dondinho, pai de Pelé e com a rotina do Santos FC.
Algumas já citadas foram premiadas e outras também, como “O Vale da Redenção”, uma série de reportagens sobre o Distrito Industrial de Santos e sobre os problemas enfrentados pelos idosos em “Velhice”, em 1978. Reparem que a maioria das reportagens foram publicadas em tempos de ditadura.
Termino com uma declaração que ele fez a uma aluna, para um trabalho. “Não estou preocupado em formar jornalistas. Estou preocupado em formar seres humanos que possam se indignar com a realidade e com isso provocar mudanças. Sou um idealista e essa é a minha utopia. Ser jornalista é toda uma conscientização do mundo. (...) No dia em que não acreditar mais nisso, abandono tudo e vou jogar dominó”.
Dirceu e Terezinha estão bem, tomaram a primeira dose da vacina. E, aposentados, se dedicam a uma rotina diária, que inclui o acompanhamento das notícias de três jornais impressos, e a perplexidade com o negacionismo de parte da população. Ah! Sem jogar dominó!