Após brigarem e fazerem as pazes, alunos de Cubatão criam projeto 'Posso te dar um abraço?'
Depois de reconciliação emocionante, estudantes e professora de Arte criaram o grupo 'Amor é Bom e Nós Gostamos', com diversas ações para despertar a afetividade
Abraço. Foi com esse simples ato que a professora de Artes Maria Carmem Ribeiro dos Santos, mais conhecida como Mia Ribeiro, de 54 anos, da UME Jayme João Olcese, de Cubatão, fez com que alunos do 3º ano do Ensino Fundamental “ficassem de bem”, após brigarem entre si no último dia de aula antes do recesso escolar do primeiro semestre.
O gesto acabou inspirando a criação do grupo “Amor é Bom e Nós Gostamos”, além do projeto “Posso te dar um abraço?”.
Mia Ribeiro lembra que, no dia da briga, os alunos em questão saíram da sala de aula para tirar fotos, mas o clima era de desentendimento. “Uma aluna estava muito triste com isso. Ela veio falar comigo e disse: 'tia, não faz sentido nada disso. Hoje era para ser um dia maravilhoso, e a gente só briga. Eu queria muito que eu e meus amigos estivéssemos de bem, terminando o semestre com festinha'. E ela começou a chorar. Levei todos de volta para a sala e começamos a conversar. Eu falei que, realmente, não faz sentido a gente tirar foto mostrando alegria se, na verdade, o clima era de briga. Falei que tudo poderia mudar com carinho e abraço”, relata a professora.
Em clima emocionante, entre muito choro e abraços, eles deram o primeiro passo para a reconciliação, que não ficou limitada àquele momento e tomou proporções maiores. Todos concordaram que, quando voltassem para a escola, sairiam às ruas para levar amor aos moradores da cidade. Em 30 de julho, todos estavam distribuindo afeto para além da sala de aula, cada um segurando uma plaquinha com a pergunta "Posso te dar um abraço?". “A reação das pessoas foi linda. Foi uma surpresa, porque a receptividade foi incrível”, diz Mia.
Como resultado dessa iniciativa, foi criado o grupo "Amor é Bom e Nós Gostamos" na unidade de ensino. Os integrantes buscam o afeto nas relações em classe e com as demais pessoas. Eles fazem isso por meio de conversas, trabalhos de arte e ações urbanas. “Essa aluna que estava triste com todo o clima de briga tomou a iniciativa de criar o grupo no WhatsApp também, e estamos constantemente conversando sobre o amor que tem que fluir nas nossas redes”, afirma a professora.
O afeto como ferramenta transformadora
Desde então, mais cinco classes do 3º e 4º anos já saíram às ruas, totalizando cerca de 75 alunos. “Senti que todas as classes poderiam participar. A gente sai pela Avenida Nove de Abril, Parque Anilinas e até fomos na prefeitura. Eles entraram em todos os setores, onde o trabalho foi muito elogiado. Muita gente disse que isso muda a vida, porque não tem nada melhor do que começar o dia com um abraço. Com essa ação, fomos quebrando a dureza do dia a dia”.
Para a professora Mia, outro momento memorável do projeto foi quando os alunos passavam pelo Parque Anilinas e encontraram um senhor que tem um grupo pró-vida. “Ele disse: ‘sou ativista pela vida. Para mim, isso é tudo, e hoje vi que não estou sozinho! Vi sementes sendo plantadas’”, relembra.
Além do projeto, a educadora criou a "Hora do Cumprimento", que ocorre antes do começo das aulas. “Eles estudam em período integral, então, é uma boa maneira de começar o dia. Temos umas fotos coladas à parede de entrada da sala, nas quais há quatro imagens ilustrativas mostrando diferentes cumprimentos. Tem abraço, beijo no rosto, soco de mão e cumprimento de brother. Cada um escolhe aquele com o qual se sente mais à vontade e troca com o colega”.
Uma semente plantada, planos em curso
Com essas ações, aos poucos os alunos vão aprendendo a viver coletivamente. Segundo a professora, ainda há momentos de atrito e desentendimentos, porque o processo é longo e todos estão aprendendo, dia após dia. “Eles tomaram consciência, mas ainda há momentos de briga. É um processo longo, no qual estamos lembrando sempre desta ação, do afeto, do carinho. Quando eles lembram, retomam a atitude mais solidária. É uma semente que a gente lança no coração deles, e ela dá frutos, né? A consciência que tomaram foi importante. É algo para o futuro, também, porque marcou a vida deles”.
Para reforçar o aprendizado e o desenvolvimento do afeto, o grupo "Amor é Bom e Nós Gostamos" prevê ações até o fim do ano. Os planos incluem a realização de exposições sobre o tema, peça de teatro para ser apresentada na escola, pintura de mural, visita a um abrigo para crianças, entrega de cesta de higiene a pessoas em situação de rua e rodas de conversa para trabalhar a questão. “Queremos escrever o ‘Manifesto do Afeto’! E lançar, no fim do ano, exemplares com ilustrações e texto. São possibilidades que estão surgindo”, finaliza a professora.