Agricultura com conservação da natureza gera ganhos comerciais e ambientais

Com expansão das fazendas, aves e abelhas têm sumido

Por: Marcus Neves Fernandes  -  07/08/22  -  13:18
Ao degustar a sua próxima xícara de café, lembre-se da importância das aves e abelhas
Ao degustar a sua próxima xícara de café, lembre-se da importância das aves e abelhas   Foto: Adobe Stock

O consumo mundial de café quase dobrou entre 1991 e 2021. Para atender essa demanda, as fazendas se expandiram e, nesse movimento, o sumiço de dois importantes coadjuvantes – as aves e as abelhas – representa uma queda de 25% na produção.


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Essa constatação é a primeira obtida em testes no campo, realizados por um grupo de cientistas em 30 fazendas cafeeiras. Nas áreas em que não havia a contribuição da natureza, o rendimento por hectare amargava um prejuízo de mais de R$ 5 mil.


Para países como o Brasil, afirma a pesquisa, os dados são relevantes por dois motivos: o primeiro é a importância da cultura do café na economia local e o segundo, e a existência de fauna e flora capaz de dar suporte à agricultura.


Mas, para isso, alertam os cientistas, é preciso intensificar a integração das áreas plantadas com a floresta. Do contrário, será necessário intensificar o uso dos agrotóxicos e o comprometimento do solo – além de afetar as exportações.


Tudo se deve à chamada interação sistêmica. Em outras palavras, abelhas e pássaros prestam serviços naturais que resultam em benefícios agrícolas.


Os pássaros, por exemplo, quando têm a sua presença garantida, se alimentam das pragas que atacam a lavoura. Eles também ajudam na dispersão das sementes.


Já as abelhas são importantes polinizadores. No caso de plantas como o café arábica, capaz de se autopolinizar, as abelhas são cruciais no aumento do tamanho e do rendimento do fruto (quando uma flor se transforma em uma baga).


Para realizar o experimento, pesquisadores da América Latina e dos Estados Unidos excluíram pássaros e abelhas das lavouras com uma combinação de grandes redes e pequenos sacos.


Eles testaram quatro cenários principais: atividade de pássaros (controle de pragas), atividade de abelhas (polinização), nenhuma atividade de pássaros e abelhas e, finalmente, um ambiente natural, onde abelhas e pássaros eram livres para polinizar e comer insetos, como o broca-do-café, uma das pragas mais prejudiciais que afetam a produção cafeeira em todo o mundo.


Os efeitos positivos combinados de pássaros e abelhas se provaram decisivos na frutificação, peso e uniformidade dos frutos – fatores-chave em qualidade e preço, principalmente em um mercado cada vez mais competitivo e exigente.


Ao demonstrar, na prática, a importância dos serviços ecossistêmicos, os pesquisadores esperam não apenas convencer o setor comercial a repensar o modo de produção, como alertar para a inviabilidade do mercado sem a conservação da natureza.


Sem ferrão
Das 550 espécies de abelhas sem ferrão conhecidas em áreas tropicais e subtropicais do mundo, cerca de 250 estão no Brasil. O dado é de Cristiano Menezes, da Embrapa, e foi divulgado por Marcelo Silva de Souza, na agência France-Presse (AFP). As abelhas nativas, como a Mandaçaia, produzem um mel que Luiz Lustosa, presidente do Native Bee Institute, afirma ser mais saudável por seu baixo teor de açúcar. Como as abelhas sem ferrão produzem cerca de 30 vezes menos mel do que seus primos com ferrão, o mel nativo custa cerca de US$ 55 por quilo no Brasil, comparado a US$ 6 por quilo do outro. O chef Alex Atala é um que incluiu esse mel em seus pratos, no caso, o da abelha nativa tubi. “Temos um mundo tão rico quanto o do vinho para conhecer”, disse Atala à AFP. Em Santos, quem quiser conhecer abelhas sem ferrão pode visitar a Trilha do Mel, no Orquidário.


Um ‘Chile’ a menos
“A taxa de destruição é mais rápida que a taxa de descoberta”. A frase do botânico Francisco Farronay, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), demonstra a preocupação da comunidade científica diante do aumento na destruição da Floresta Amazônica.


De acordo com um estudo do MapBiomas, a Amazônia perdeu, entre 1985 e 2020, cerca de 74,6 milhões de hectares de mata nativa – área equivalente a todo o território do Chile. “Não conhecemos 60% das espécies de árvores, e cada vez que uma área é desmatada, destrói uma parte da biodiversidade que jamais conheceremos”, disse Farronay. “Há lugares onde ninguém nunca esteve, não temos ideia do que há. Deveríamos acelerar o ritmo da pesquisa diante da destruição, mas estamos desacelerando”, disse a bióloga Lucia Rapp Py-Daniel, também do Inpa.


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